domingo, 27 de março de 2016

Captivare

Quando precisava de espairecer e acalmar entrava numa livraria.
Era algo que nem tentava entender, só usufruía do sentir.
Desde que um dia pegou num livro, folheou-o aleatoriamente e parou ao calhas numa página que lhe deu - espantosamente - o ensinamento do dia , volta e meia pega num para ver se encontra as respostas que necessita. Acha piada ao acaso. A verdade é que poucas vezes as páginas lhe trazem algo que não seja ficção ou bela escrita, mas num anseio de poetizar a vida com coincidências lá vai dando azo ao gesto.
Nunca leu o Principezinho, mas sabe que fale de ternura e cativar.
E a palavra que não lhe saiu todo o dia do pensamento foi essa - cativar.

Ficar ou permanecer cativo (perder a liberdade); estar preso (fisicamente ou moralmente); sujeitar-se.
Manter em sua posse; conservar.
Conseguir a atenção ou o afecto de; seduzir.
Ficar apaixonado por; enamorar-se.
(Etm. do latim: captivare)

Não era de se deixar cativar facilmente, em que sentido fosse.
Era desconfiada, atenta ao pormenor para descobrir o engodo, mas com grande anseio em acreditar.
Com uma grande necessidade em acreditar. Talvez fosse por isso que depois de cativada dava tantas oportunidades. Porque queria continuar a acreditar. E, igualmente, acreditar que não se tinha enganado.
Há intuições que estão presentes desde o primeiro momento, mas que devido à ânsia de viver, de acreditar no bom e no belo, as tentamos reduzir à insignificância. Mas elas estarão sempre alerta e ela sabia disso.

Abriu "O Principezinho" nunca lido que se encontrava na sua biblioteca e folheou-o ao acaso e parou na página 41. Leu e sorriu... 

- Não te vás embora - respondeu o rei, que se sentia muito orgulhoso por ter um súbdito. Não te vás embora que eu faço-te ministro!
- Ministro de quê?
- De... da Justiça!
- Mas não há ninguém para julgar!
- Nunca se sabe - disse-lhe o rei. Ainda não percorri o meu reino todo. Estou muito velho e como aqui não há espaço para uma carruagem tinha de ir a pé. Mas canso-me tanto!
- Mas eu já dei a volta a tudo - disse o principezinho, debruçando-se para dar uma última espreitadela ao outro lado do planeta. Lá em baixo também não há ninguém...
- Então julgas-te a ti próprio - respondeu o rei. É o mais difícil de tudo. É bem mais difícil julgarmo-nos a nós próprios do que aos outros. Se te conseguires julgar a ti próprio, és um sábio dos autênticos.


Ela sentia que a sua aprendizagem não estava no acreditar, mas sim no deixar de acreditar.
Ela queria continuar a acreditar, até porque aí residia o bom da vida. Mas queria aprender a deixar de acreditar rapidamente quando era necessário. Ela queria aprender sobre o famoso desapego de que tanto ouvia falar. Ela queria saber como fazê-lo. Porque estava cansada de outros a conseguirem e ela não. Porque não entendia o bloqueio. Porque tempo e energia são preciosos. Porque viver é precioso e porque, por muito que custe o futuro incerto, é lá que reside o continuar da vida. 
Porque ela tinha bom coração e tinha receio de deixar de o sentir.