terça-feira, 29 de outubro de 2013

A viagem de comboio inusitada. Isto não é ficção.

(Para memória futura)

(D - desconhecido; S - Sandra)

A caminho de Lisboa, aos 23 de Junho de 2013:

D - A menina é de Aveiro?
S - Sou.
D- Eu sou do Porto. O bilheteiro ainda não passou aqui. Está ali na lengalenga. Podia ter vindo à pato até aqui.
S - ...
D - Engajou ali com uma moça nova e não a larga. A mulher em casa, ele a meter conversa... Está a compreender a situação? É um pássaro vivido.
S - ...
D - Vai para onde?
S - Lisboa
D - Eu vou para Pombal. Vai a uma festa?
S - Vou ter com amigos.
D - (sorri manhosamente) Vai é ter com o namorado...
S - ...
D - Quanto paga de bilhete?
S - Eur 18.00
D - Se o seu namorado a viesse buscar ficava mais bem servida. Tomavam o pequeno almoço, íam até à Mealhada comer um leitãozinho e depois íam para Cascais (que aquela água não vale nada, é cá um frio acima, aquilo é só rochas!!)
S - ...
D- Gosta de leitão?
S - Gosto...
D- E de borrego? Um bom borrego assado?
S - Gosto...
D - E de vinho? Branco?
S - Gosto...
D - No Fundão comi naqueles restaurantes de rua um borrego, era cá uma pratada de carne só com um bocadinho da batatas. Nem lhes toquei tanta era a carne. Uma coisa que nós os motoristas (eu sou motorista, sabe?) nos orgulhamos é de saber onde comer bem, de conhecer as estradas todas e perceber de mulheres. Ahahah, não me leve a mal...
S - ...
D - O bilheteiro continua na conversa. Já deve ter o nr. dela. Se eu não estivesse aqui, ele punha-se na converseta com você!
D- Tem filhos?
S - Não...
D -  Porquê?!?! Não quer?!?!?!
S - Quero.
D - Você é nova, não é?
S - Sou.
D - Que idade tem?
S - Que idade me dá?
D - 27
S - Acertou em cheio, tem bom olho...
D - Que idade me dá?
S - 33 (ele percebeu 23)
D - (ri-se) 23 tenho eu de camionista e 17 de carteira profissional. Já conheço o mundo todo! Tenho 45 anos.
D - Pode aproveitar e ter filhos com este namorado. Quer ter um filho ou filha? Sabe como fazer um filho ou filha? Sabe que é o homem que decide?
S - Sei. Vocês decidem e nós carregamos...
D - Quer saber como se faz? Mas isto é segredo, eu sei a verdade. Não pode andar aí a contar a toda a gente...
(ups)
S - Então, como se faz uma filha?
D - Quer mesmo saber?
(Ajeita-se na cadeira e por momentos acho que vai simular o acto)
D - Se quer ter uma filha, o homem tem de ser ano ímpar!
S - ??? Como assim?
D - O homem tem de ter 23, 25, 33, 'tá aperceber? Se for filho é ao contrário. Acredite no que lhe digo, é mesmo assim. Mas não ande por aí a dizer...
D - Está a ver os homossexuais?
S - Sim?!... (baralhada)
D - É por isto. Se uma filha nascer no ano par do pai vai ter hormonas masculinas e se um filho nascer no ano ímpar do pai vai ter hormonas femininas.
D- Olhe, o bilheteiro já aí vem. Paguei Eur 14,70 para nada. Lá vem ele todo sorridente, com a sua barriguinha. Típico português...
(Ouve-se um barulho estranho nos carris)
D - Rebentou um pneu, o cabrão!  Ahahahah
D - Conhece o Sida? Já ouviu falar?
S - Sim...
D - Donde vem o Sida? Sabe o que é?
S - É um vírus...
D - Não!! É um gene!! Está a ver Atlanta, nos EUA? Foram uns cientistas que o criaram. Ainda o seu pai era jovem e já se sabia que havia muita gente na terra e que não ía haver comida para todos. Era preciso matar pessoas.
D - Sabe quem são as pessoas mais valiosas no mundo neste momento?
S - Não...
D - É um casal de portugueses!!! Descobriram a cura do Sida e de outras doenças, mas agora estão escondidos. Levaram-nos para umas instalações. Descobriram a célula de Deus.
 (Ía-me engasgando)
D - Eles descobriram um gene, que uma pessoa pode ficar viva 100, 200, 300, 400 anos e mais. Ter filhos e fazer uma vida normal. ´Tá a perceber?
S - Sim...
D - Eu 'tou a falar isto tudo que é para você não ir calada, a olhar só para a janela. Assim vamos falando. Mas isto tudo que lhe digo é verdade.
S - ...
D - Desculpe que lhe diga, mas é bonita. Tem uns olhos bonitos.
S - Obrigada.
D - Gosta de comer?
S - Gosto.
D - Já almoçou?
S - Sim, já.
D - Ahhh, já está almoçada!! Um bifinho?
S - Sim
D - Uma batatinha frita?
S - Sim
D - Um ovo a cavalo?
S - Sim
(Almocei uma salada)
D - Sabe uma salada boa para os seus olhos? Um pote de iogurte, uma courgette ou pepino, uma cebola, um alho. Tudo muito migadinho, 'tá a ver? E mistura no iogurte e depois põe por cima da salada. Eu já percorri mundo, já comi de tudo. O comer faz bem ao espírito. Assim, anda sempre com um sorriso e não precisa dos outros. Qual é o seu sonho? Agora?
(Apanha-me desprevenida)
S - Tantos, não sei :)
D - Sabe qual é o meu? Trabalhar seis meses e nos outros seis pegar nos meus filhos e passear num veleiro. Já andei a ver preços e já se compra um veleiro por dez mil euros. Eu tenho a carta de mar. Sabe quanto se paga por ter um barco atracado? Uns setenta euros. Foi a menina que escolheu este lugar?
S - Fui.
D - Como é que escolheu?
S - De facto só escolhi que queria frente e janela. O lugar definiu a CP.
D - E como é que sabe que é aqui o seu lugar? Que é aqui que deve vir sentada?
S - O bilhete tem o nr da carruagem e o nr de lugar...
D - E como sabe que é esta a sua carruagem?
S - Vi o nr da carruagem antes de entrar...
D - Aahhh, um número.... Eu entrei numa porta ao calha. Eu mostro o bilhete ao contrário. Se o bilheteiro reclamar pergunto-lhe o que é que ele tem a haver com isso.
(Mostra-me o bilhete, aquela não era a sua carruagem)
D - Então não tem filhos?
S - Não...
D - Eu tenho 4.  3 rapazes da mesma mãe e uma rapariga de 17 anos.
(Façam as contas...)
D - (sacando de uma foto) Este é o meu mais novo, tem 4 anos. O sacana só gosta de playstation.
Os filhos é o melhor que nós temos...

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

♣ Confiança

Há palavras pelas quais tenho especial carinho, seja pelo seu significado seja pela sua sonoridade.
Coisas minhas... (Dou por mim muitas vezes a prestar atenção à sonoridade do meu nome, soletrando mentalmente as duas sílabas que o compõem.)
Uma das minhas palavras de eleição é confiança. Há um tom aveludado na mesma que me faz lembrar colo e proteção.
E depois considero-a uma qualidade fundamental numa pessoa, daquelas que define o tipo de relação com outros.
Podemos ter muitos amigos, mas confiamos em todos?
Quanto a confiança ajuda a definir os das nossas relações entre "conhecidos" e amigos"?
Por quantos amigos teremos mais amor e carinho que familiares devido à confiança que nos despertam?
Desperto confiança? 
É uma das batalhas da minha vida. Por isso, quando sinto que confiam em mim, toda eu enterneço e penso que talvez - afinal -, esteja a traçar um bom caminho.
Por estes tempos tenho sido presenteada com colos destes:

 ♣ Quando uma amiga cobra as minhas ausências e confidencia "o meu filho está farto de perguntar quando vais lá a casa."
 ♣ Quando uns bracinhos pequenos se tornam imensos num abraço apertadinho, apertadinho e me chamam "tia xana"
♣  Quando a 300 km de distância me perguntam "Quando vens a Lisboa para nos conhecermos?"
♣  Quando (confiança maior) me apresentam num primeiro encontro o seu filho
 ♣ Quando, sem me conhecer de lado nenhum até há instantes, aceitam a minha mão para atravessar a rua
♣  Quando os clientes me dizem que confiam em mim
♣  Quando me convidam para dançar em algum sítio
♣  Quando me falam dos seus piores receios
♣  Quando me falam das suas falhas
♣  Quando me contam um segredo
♣  Quando me abrem as portas de suas casas

Obrigada, das profundezas do coração.

Sabedoria  Retalho ♣ Aventura ♣  Colo ♣ Balancé Inocência Embalo Cinema Lisboa ♣ Água.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Magias


Hoje acordei como o dia, cinzento e choroso.
De regresso do almoço, nos meus pensamentos lá longe, sou chamada à terra por um toque no ombro.
“Hum” e mostra-me uma petição para assinar. Era para uma construção de uma casa de acolhimento de surdos-mudos.
Com um pé na terra e outro sei lá onde, neguei, continuando caminho.
A rapariga volta a tocar-me “hum” e insiste para eu assinar.
Não é preciso muito comigo. Começo a preencher.
Ela interrompe “hum”, passa a mão pelo rosto dela e desenha um beijo para mim.
Eu olho para ela e continuo.
“Hum” interrompe novamente. Olho-a. Então passa a mão pelo rosto dela, tipo mágica faz nascer um sorriso, e desenha novamente um beijo para mim.
Conseguiu o meu sorriso…

domingo, 13 de outubro de 2013

Histórias dançadas



Desde o 1º momento que me senti entusiasmada com este projecto.
O seu crescimento foi um trabalho de amor. Como todo o Amor, teve os seus altos e baixos, mas no final o que conta é relação que se fortalece, o filho que nasce.
E acho que foi por isso este espectáculo foi amado por todos o que o viram. Porque era autêntico, simples, suave e feliz.

Uma dança são 3 histórias: a do coreógrafo, a dos bailarinos e a dos espectadores.
O menos importante é que sejam coincidentes. Opiniões, visões diferentes enriquecem as danças. O mais importante é que sejam histórias sentidas.

Fã que sou de histórias de bastidores deixo-vos uma espécie de raio x do que senti quando dancei e do que senti quando vi dançar.

*

Somos livres para celebrar
Somos livres para nos libertar
Como crianças brincando
Crianças sorrindo
Crianças sendo crianças


Balancé - Sara Tavares

Esta era a coreografia de abertura.
Era-nos pedido descontração, boa onda, tranquilidade, sorrir.
Imaginei-me num paraíso em que dançávamos uma espécie de celebração da vida, uma paz de espírito e felicidade sem fim, um estado amoroso tão completo que se tornava uma autêntica fortaleza aos problemas. As mãos serviram-me de colo.

*

Um sensação doce,
Um sombra bo magia,
Nha vida inteira m ta dá
Sô pa um segundo de bô sorriso.
Êh grandéza di amor
Bem maior ki tudo dôr
Abri asa e voá...


Muna Xeia - Sara Tavares

A paz, a harmonia dançadas.
A magia, pelos movimentos da Diana e da Cláudia.
O nervosismo, a ansiedade acalmavam enquanto esperava a entrada para a dança seguinte.
Vê-las em palco, eu que estava no escuro da coxia, sabia-me a segredo, tipo menina que espreita pela fechadura e vê algo que a deslumbra.

*

Eu sei que é fácil de montar o aparato da menina que é culta
Mas também, sorrir sai mais barato que cuspir pensamentos à solta
E olha quem, tem a fome da sinceridade ao menos não te dei a volta
E eu não volto a jogar à cabra-cega com usted
Eu sei que é fácil de montar o aparato da menina que é esperta
Mas também, fugir pra ti faz parte de investir na pessoa certa.


Cabra Cega - Márcia

A inocência dançada.
Uma espécie de retorno à meninice em que tudo é descoberta feliz, sentida a cem vivida a mil.
Aquela inocência que nos vai sendo roubada sem darmos por ela e que depois tanto lutamos por resgatá-la. A partilha que não divide, mas multiplica.

*

Teatro "As Mulheres"
Fontes de inspiração: "Nós, as mulheres" de Maitena Burundarena, escritora e cartoonista argentina; e nós :)

A prova de fogo. Privada e do grupo.
Num espectáculo de dança, tornou-se um dos momentos favoritos do público.
Foi uma prova de esforço, criatividade, empatias, auto-crítica e risadas até mais não em conjunto.
O meu 2º momento preferido do espectáculo.
Desafiei-me a criar uma personagem completamente diferente de mim. Tive muito receio de não o conseguir, de cair no ridículo, mas assim que assumi o que queria fazer, o caminho a seguir só podia ser em frente. E valeu a pena, como valeu a pena.

*

Ai que desgraça esta sorte que me assiste
Ai mas que sorte eu viver tão desgraçada
Na incerteza que nada mais certo existe
Além da grande incerteza de não estar certa de nada
Ai que saudade
Que eu tenho de ter saudade
Saudades de ter alguém
Que aqui está e não existe
Sentir-me triste
Só por me sentir tão bem
E alegre sentir-me bem

Desfado - Ana Moura

Porque o (des)fado é vivido por todas mulheres, belas, menos belas, insuportáveis e as mais meigas possíveis, as chatas, as interessantes, as pragmáticas, as sonhadoras,...
Um corridinho apressado tal como a vida, mas cujo nervo de viver está em cada poro de nós.

*

Vídeo "Mulheres"

Fomos ouvir a opinião de mulheres mais velhas sobre o que achavam sobre ser mulher.
Gravámos em vídeo momentos hilariantes, opiniões marotas, divertidas, sérias, mas o que me recordo mesmo é do sorriso orgulhoso enquanto falavam do ser mulher.

*

Quando o dia entardeceu
E o teu corpo tocou
Num recanto do meu
Uma dança acordou
E o sol apareceu
De gigante ficou
Num instante apagou
O sereno do céu


A pele que há em mim - Márcia

3 bailarinas, 3 focos, 3 solos.
A mesma coreografia, intenções diferentes.
Belo esta coisa da expressividade. Uma mão, um braço, uma perna com o mesmo movimento e no entanto senti-o diferentemente em cada bailarina.
Um dos momentos altos do espectáculo, na minha opinião.
A prova de que a dança pode valorizar ainda mais um belíssimo poema e acordes.

*

Há uma música do Povo,
Nem sei dizer se é um Fado
Que ouvindo-a há um ritmo novo
No ser que tenho guardado


Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser
É uma simples melodia
Das que se aprendem a viver


Há uma música do Povo - Mariza

A minha melodia e dança favoritas.
Se é verdade que gosto da leveza, do (sor)riso, o meu coração bate mais forte pelo drama.
E nesta dança pude explorar o meu lado de "drama queen".
Para o expressar fui ao baú das mágoas, do desalento, da desilusão, da perda de esperança.
Espero um dia poder dançá-la novamente. Sem eu o esperar, tornou-se num dos momentos mais intensos que vivi em palco nestes anos de dança que já levo.

*
Quando me sinto só
Sabe-me a boca a fado
Lamento de quem chora
A sua triste mágoa
Rastejando no pó
Meu coração cansado
Lembra uma velha nora
Morrendo à sede de água.


Quando me sinto só - Mariza

Uma música poderosa só podia dar uma coreografia igualmente poderosa.
E que bem dançada foi pela gaiata de 18 anos :)
A provar que ali dentro não é só energia acumulada.
A 1ª vez que a vi em ensaio fiquei tão emocionada que a pikena levou um beijo bem repenicado pela emoção que em mim desencadeou.

*

A minha alma partiu-se como um vaso vazio
Caiu, partiu-se, caiu
O que era eu, o que era eu?
Um vaso vazio
O que era eu, o que era eu?

Alastra a escadaria atapetada de estrelas.
Ao fundo um caco brilha entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
E os deuses olham-no por não saber por que ficou ali.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.


Apontamento - Margarida Pinto

A coreografia de encerramento.
Quando esta música foi sugerida para dançar, foi amor à primeira.
Uma letra e melodias contagiantes.
Sentia como uma coreografia dedicada à alegria, à felicidade estampada no rosto porque a vida tem muito de belo para dar.
Para mim, significou também uma ode ao nosso trabalho de meses.
Não podíamos ter terminado da melhor maneira, abraçadas em círculo, a rir às gargalhadas :)

**
 
Dizem que quando nos emocionamos, sentimos. Estranha associação, no entanto.
Emocionamo-nos quando rimos durante uma comédia, quando coramos de vergonha, quando choramos de dor ou quando o ritmo cardíaco acelera na presença de alguém que nos atrai. As emoções nascem de forma selvagem, incontrolável e efémera, passageira. E mais: são públicas, é possível ver os seus efeitos.
Mas, como chamar ao que, algures no recato do nosso interior, encontra as emoções e constrói a manta do ser que vamos sendo?
Chamemos-lhe sentimentos. O sentimento é construído. Regista e decifra cada emoção que passa. O sentimento permanece, persiste. Pertence à esfera do privado. O sentimento só se vê reconhecido por quem o cria.
 
(Paula Mata)

 


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A árvore

Hoje ao passar numa árvore apeteceu-me sentar debaixo dela.
Encostada ao tronco, rodeada de sombra e cheirinho a relva fiquei ali, assim...
Não pensava em nada. Só contemplava e ouvia... um passarito lá ao longe,.. as pessoas mais perto...
Peguei no livro e li um pouco.
Depois, levantei-me, passei a mão pelo tronco como num "até logo" e fui trabalhar.

Checklist

  • Roupa dividida
  • Acessórios escolhidos
  • Penteados e maquilhagens decididos
  • Nervosismo
  • Texto decorado
  • Entradas e saídas de palco estudadas
  • Responsabilidade
  • Receios
  • Bilhetes reservados
  • Últimos acertos de lugares em palco
  • Ouvir sem conta as músicas
  • Relembrar mentalmente coreografias
  • Focar nas nuances de cada dança 
  • Alegria em dançar
  • Boa disposição
  • Publicitar o espectáculo
  • Respirar fundo
  • Confiança 
  • Últimos acertos nos tempos
  • Dicas para disfarçar possíveis falhas em palco
  • Sentir o palco
  • Olhar para plateia e imaginá-la cheia
  • Desfrutar cada momento da preparação do espectáculo
  • Tentar descontrair
  • E dançar, dançar, dançar... feliz por poder fazê-lo e mostrá-lo ao mundo

        
        

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Vulnerabilidade, vergonha e arena

Estar atenta ao que me rodeia, aos sinais que vão surgindo, coisas aleatórias ou nem tanto assim...
É a velha história de procurar respostas algures, em alguém... e que estão sempre em nós, ainda que tantas vezes veiculadas por outros...
Nos dois vídeos abaixo que vos deixo, e que espero que tenham a paciência para os ver porque são maravilhosos, ficaram-me 3 palavras: vulnerabilidade, vergonha e arena.
Vieram até mim através de duas pessoas: uma não a conheço pessoalmente, mas a sua escrita conquista-me e pacifica-me quase diariamente; a outra conheço-a há anos... e não a vejo há anos..., mas o virtual aproximou-nos.
E desta forma, sem que nada o previsse, assisto à abordagem de dois sentimentos que tantas vezes me ensombram e assombram. Por estes dias, mais vívidos e sofridos, por causa de um espectáculo em que entro e que me traz tanto de contentamento como de medo, de vontade de o sentir nas entranhas como o receio de falhar nessa intenção.
E estes vídeos foram aquela mão forte que te agarra quando quase tropeças. Uma dádiva em dia de reflexão. Uma ajuda, uma resposta, uma força. Não há mal algum em ser vulnerável, ter vergonha. Mal maior é não aproveitar isso para passos maiores e arriscados.
Na arena é que se combate, não fora dela.

 

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sem-abrigo

- Lá em baixo, à entrada do prédio, está um sem-abrigo, dizia o senhor no estabelecimento comercial.
- É o mesmo de ontem, não é? - perguntou a dona. Ainda ontem o vi, até me dói ver o coitado.
- Alguém pôs uma floreira no sítio onde o senhor se deita para ver se ele se vai embora, mas ele agora foi para o outro lado da porta. Qualquer dia põem lá uma floreira também.
Quando desci o elevador esperava encontrar o sem-abrigo. Estava já deitado, a dormir. Eram 20hrs.
- Senhor...
O senhor abriu os olhos a custo, um olhar doloroso, lamacento.
- Tome,... isto é para si.
Ele olhava-me como se não acreditasse que eu me estivesse a dirigir a ele, mas a sua mão abriu-se instantaneamente. Mesmo sem olhar para o que lhe dava.
Quando sentiu o que era, fechou a mão e expirou "oh menina..."
Vim-me embora, parecia que tinha o meu pescoço agrilhoado.
Ser sem-abrigo deve ser como ser-se expropriado da sua própria pessoa.
Ser sem-abrigo num país estrangeiro deve ser como não ter sítio na vida...