quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Jacinto




Hoje vim do teu funeral, Jacinto. Algo que me parecia tão longínquo como escrever-te isto.
Nem era sequer longínquo porque a tua morte nunca me passou pela cabeça.
Habitua-mo-nos à presença das pessoas, mesmo não falando, e concedemos-lhe uma espécie de imortalidade.
Quando a Raquel me confirmou a tua morte, as lágrimas caíram-me instantaneamente. Pode-se medir o quanto uma pessoa significa para nós assim? Um significado que nem eu tinha noção do seu valor?
O padre que te fez a cerimónia de despedida falou no sentido da vida, no momento mais (im)próprio.
Não te via há 20 anos e quando te vi as lembranças correram bem mais rápido que o tempo. A pessoa que jazia à minha frente estava cheia de vida e bem disposta nas minhas memórias de teatro. Sabes que passei pelos Fenianos sem querer a caminho da capela? Quando reparei nisso ao passar, pensei que há coisas que a vida se encarrega do relembrar ao nosso subconsciente.
O sentido da vida... Acho que vi o teu de alguma maneira no semblante de cada choro contido ou mais visível, em cada tristeza de olhar, em cada recuo ao primeiro momento em que te viam ali deitado, nas reuniões que proporcionaste.
Não leves a mal o meu reparo agridoce, fez lembrar uma cena de filme: a reunião de algumas pessoas do nosso curso de teatro ao final deste tempo todo na despedida de um amigo.
Acho que perdi muito ao perder contacto contigo por tudo o que li e assisti. O sentido da tua vida está nas boas memórias que deixaste nas pessoas, acho eu. Falo por mim.
Quando soube da tua morte decidi no momento que tinha de me despedir de ti, que de alguma forma te devia prestar essa homenagem. Porquê? Nem sei... Mas o que me deste enquanto tive oportunidade de contacto contigo foi-me muito especial, para que saibas.
E.,tristemente, voltaste a dar algo de especial. Permitiste-me o reencontro com a Raquel, a Briona, a Sandra Tê. E outras caras e nomes que o tempo me fez esquecer e que logo recordei no primeiro olhar.  Levaste-me a voltar a escrever neste blogue esquecido.
Olha..., e por causa de ti limpei uma data de gavetas que tinha em casa à espera de arrumação há anos... :) Tive a mesma reacção com a morte da minha avó... limpar.

O sentido da vida é dar. O mais pequeno e insignificante que possa ser. Porque o nosso pequeno pode ser grande e muito especial a alguém.

"Obrigada por tudo o que me deste." Assim me despedi de ti no livro de condolências,
Adeus, Jacinto. Foi um prazer ter-te conhecido e um privilégio o pouco que partilhámos... que foi muito para mim.