domingo, 17 de novembro de 2013

Utopias

Há propriedades intelectuais e emocionais de que me gostaria de apoderar.
Há coisas tão belas, mas tão belas que a par do deslumbramento da sua descoberta não consigo evitar uma ponta de inveja por não terem nascido de mim.
Num mundo utópico em que a prática do Mal seria clemente, eu entregar-me-ia  ao crime para acalmar esta fúria mansa da adoração.
Seria encarcerada, e quando me perguntassem "Que crime cometeste?" eu responderia quase orgulhosamente "Sou ladra do Belo".

Ternura
 desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

 Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te , lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!
 
David Mourão Ferreira
 
 
Quem me quiser
Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.

Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.

Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.

Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.
 
As pequenas palavras
De todas as palavras escolhi água,
porque lágrima, chuva, porque mar
porque saliva, bátega, nascente
porque rio, porque sede, porque fonte.
De todas as palavras escolhi dar.

De todas as palavras escolhi flor
porque terra, papoila, cor, semente
porque rosa, recado, porque pele
porque pétala, pólen, porque vento.
De todas as palavras escolhi mel.

De todas as palavras escolhi voz
porque cantiga, riso, porque amor
porque partilha, boca, porque nós
porque segredo, água, mel e flor.

E porque poesia e porque adeus
de todas as palavras escolhi dor.

Primeiro a tua mão
Primeiro a tua mão sobre o meu seio.
Depois o pé – o meu – sobre o teu pé.
Logo o roçar urgente do joelho
e o ventre mais à frente na maré.

É a onda do ombro que se instala
É a linha do dorso que se inscreve.
A mão agora impõe, já não embala
mas o beijo é carícia, de tão leve.

O corpo roda: quer mais pele, mais quente.
A boca exige: quer mais sal, mais morno.
Já não há gesto que se não invente,
ímpeto que não ache um abandono.

Então já a maré subiu de vez.
É todo o mar que inunda a nossa cama.
Afogados de amor e de nudez
Somos a maré alta de quem ama.

Por fim o sono calmo, que não é
senão ternura, intimidade, enleio:
o meu pé descansando no teu pé,
a tua mão dormindo no meu seio.

Poemas de Rosa Lobato Faria

*****
                 (dediquem um pouco do vosso tempo a este poema cantado. Não se arrependerão.)
 
 

Bandas sonoras

A música é o meio de transporte mais eficiente que há. Também o mais confortável. Os apeios são só os da imaginação. Ao destino final chegamos embalados em melodias e letras e nunca se encontrará maneira mais agradável, rápida e tão pouca dispendiosa de chegar aonde queremos.
Aquele escape à realidade ou então... a sua banda sonora. Quando descubro uma música que foi escrita de propósito para mim - evidentemente - vibro e agradeço aos céus a viagem.
É também um afago nos momentos mais solitários, mais solavancados.
Cadência precisa-se.

Algumas vezes me perguntaram qual o meu estilo de música preferido. Não sabia responder.
Hoje sei: não tenho. Eu respondo às músicas. Gosto ou não. Dizem-me alguma coisa ou não. Podem-me dizer tudo hoje e amanhã já nada me acrescentarem. Podem-me nada acrescentar hoje e amanhã tudo me dizerem. A cada estado de espírito ou físico, o meu ser escolhe a banda sonora para o momento.

E eis chegada a parte em que os meus aventureiros levam com a expectável lista de músicas escolhidas. Acrescento-lhe uma pitadinha cinematográfica porque todos os meus poros respiram cinema. Vejo-me como um filme cujas músicas ajudam a adensar a trama e, igualmente, a desvendá-la.

Para os momentos em que celebro a amizade

♪ Para os momentos em que me sinto confiante, segura e poderosa
 
 

♪ Para os meus momentos de romantismo exacerbado em que quero acreditar que toda a ficção tem um motor real (para minha perdição). 
 
Acrescento-lhe, na minha opinião, o melhor happy ending de um filme romântico.
 
 ♪ Para os momentos em que preciso de acreditar que as mais improváveis histórias de Amor são possíveis.
"The Piano" - a mais bela das histórias de amor.


♪ Para os únicos momentos em que a posse é desejável, desejada e bela.
 
♪ Para os momentos do mês em que a líbido está mais acesa e não aproveitada, em que cada nervo é uma espécie de nota musical. Chamo-lhes os meus momentos burlescos.
 
♪ Para os momentos em que preciso ir buscar a garra de bailarina arrojada e destemida
 
♪ Para os momentos de pura energia
  
♪ Quando sonho acordada
 
♪ Para me relembrar que o mundo ainda consegue ser maravilhoso
 
♪ Para celebrar a humanidade unida e fraterna
 
♪ Quando o sentimento patriótico aperta
 
♪ Para os momentos saudosos do pai
 
♪ Para os momentos em que gostava de ser musa inspiradora de arte
 
 
 ♪ Intimidade
 
 
 
 
 
 
♪ E o genérico final
 
 
 

To be continued...

sábado, 16 de novembro de 2013

Pedacinhos de literatura - "As velas ardem até ao fim", Sándor Márai

"A bailarina levava um chapéu de Florença de abas largas, meias-luvas brancas de croché, calçadas até aos cotovelos, um vestido de seda, cor-de-rosa, apertado na cintura, e sapatos de seda pretos. Apesar da sua falta de gosto, estava perfeita. Andava com passos incertos entre a folhagem, no caminho de cascalho, como se todos os passos terrestres que a conduziam aos objectos reais da vida, como por exemplo a um restaurante, fossem indignos dos seus pés. Tal como não é apropriado arranhar canções ligeiras nas cordas dum violino Stradivarius, assim guardava ela os pés, essas obras-primas, cujo único objectivo e significado só podia ser a dança, a dissolução das leis da gravidade, o rompimento das limitações deploráveis do corpo."

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Dores

Estava a pensar que uma pessoa não deve ficar minimamente satisfeita com os desaires dos outros. Paga-se por isso.
É possível ficar contente com a tristeza alheia? É.
Não me orgulho nada, contudo.
É um contentamento triste, infeliz.
E pensava que nestas coisas a vida não hesitava em dar-me lições e apontar-me aquele dedo acusatório "guilty, guilty, so guilty" e que a reprimenda viria logo que pudesse.
Veio mais cedo do que esperava...
I´m guilty because I love...

Estrelas precisam-se em terra

Quando vejo um casal que se ama ser separado pela morte há uma espécie de fosso meu que se alarga um pouco mais.
A 1ª reacção é culpar a Vida, Universo, Destino, Deus..., o que seja que me possa libertar desta limitação de nada poder fazer contra o irremediável.
Depois penso na imensa perda ao haver ainda menos Amor em vida.
Quero lá saber se nasceu mais uma estrela no céu... que o tornou mais cintilante...que vela por nós...
O céu tem muitas estrelas, a minha quero-a comigo.
Devia ser proibido casais que se amam morrerem. Seria inconstitucional em qualquer tribunal.
Ficariam para semente, sim... Porque o que há mais falta é exemplos de Amor.
Exemplos para os distraídos, para os imaturos, para os desiludidos, para os insensíveis, para os desistentes...
Não há como evitar o borboletear feliz e espontâneo perante a possibilidade de amar.
Então porque se evita, porque se foge, porque se faz sofrer?
Não somos muito mais felizes quando temos alguém a quem sorrir, dar um carinho, desejar um bom dia?
Não somos muito mais felizes quando temos alguém que nos faça sorrir, que nos dá um carinho, que nos deseja um bom dia?
E perante a morte dos que se amam, ao vazio da perda junta-se uma espécie de alívio por não ter sido connosco. Há o impulso de correr para o outro e dizer-lhe "não me deixes, ouviste?"
Mas pouco dura... Porque se há coisa em que preguiçamos é a Amar.


Foto de Gmb Akash


terça-feira, 12 de novembro de 2013

Intimis

I won't wake up to the sound of your feet
Walking down the hall
Like a soft heartbeat
I won't wake up
Cause by the time that
I do you'll be gone

 I won't look back
On a past so long
I won't look back
On the things gone wrong
I won't look back
Cause by the time that
I do you'll be gone

 I won't have words
I've said all that there is to say
I won't have words
Cause I know you'll just throw them away
I won't have words
Cause by the time that
I do you'll be gone
By the time that
I do you'll be gone
By the time that
I do you'll be gone
 
 

domingo, 10 de novembro de 2013

Há lugares que nos chamam

Há lugares que me chamam.
Sempre que posso respondo ao chamamento. Quando lá chego encanto-me.
Depois, sei que é um lugar bom para mim porque me tranquiliza, me pacifica, me faz feliz.
E contrariamente ao conselho dado na belíssima música do Rui Veloso "As Regras da Sensatez" tento voltar sempre ao lugares onde vou sendo feliz.
É uma espécie de moid, o meu assinalado pelos lugares onde me inspiro.
Já estão marcados:

Braga, mais precisamente Vila de Prado. Aqui o tempo para e venho de energias recarregadas. Porque (não é só do sítio, não) tenho aqui uma das minhas mais belas amizades. Uma amizade supostamente improvável por ter começado virtualmente. Aqui vive uma amiga minha fada porque em tudo o que toca encanta, todo o problema que existe, se não deixa de existir, a sua preocupação diminui. Neste local há uma fonte mágica que em vez de água brota força interior.

Lisboa. Vivo em Aveiro, numa cidade que dizem ser das melhores do país em qualidade de vida. Mas Lisboa é que me preenche. No meio de todo o caos das filas, do rebuliço das pessoas, do movimento incessante, tenho o frenesim das artes, do teatro e de tantas mais coisas que me fazem sentir viva.
O meu coração bombeia muito mais em Lisboa, mas também daqui sai escoado. Sofro sempre na chegada e na partida.

Costa Nova. São as dunas, o mar, a areia, a tranquilidade, o fechar os olhos e deixar-me ir nas ondas...

Dornes. Aqui está um sítio mágico. Um pequena localidade incrustada no concelho de Ferreira do Zêzere com cerca de 600 habitantes. Acho que vi uns 6 habitantes, no máximo. Mal se via vivalma por ali. Nem o café local aberto. O seu casario é incaracterístico. Não é uma vila bonita como uma aldeia de xisto portuguesa. É encimada por uma torre pentagonal e a igreja Nossa Senhora do Pranto. É a sua história e localização que a tornam tão especial. Situa-se numa península à beira-Zêzere e está-se perante uma paisagem deslumbrante de água e verde. Apetece ficar ali sem horas marcadas a olhar, olhar, olhar, respirar fundo, olhar, olhar e olhar. Os seus habitantes só podem ser pessoas felizes.
Este sábado era ali que tinha de estar e compreendi porquê. É um retiro maravilhoso.
Em dias de sol, o vilarejo deverá ser banhado por uma luz incrível que só poderá elevar o potencial energético daquelas águas e daquele verde sem fim.
Será com certeza embelezado pelo romantismo das chuvas quando as nuvens zangadas e chorosas se apoderam dos céu.
O nevoeiro dar-lhe-á uma aura de mistério sem fim, como se fosse um sítio imaginado.
Ah, e os trovejos..., esses, serão pretexto agradável para um colo cúmplice.



















sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sismógrafo

Acho que não devia fazer electrocardiogramas eu, devia fazer escalas de Richter porque me parece que em lugar de coração tenho um sismógrafo cuja agulha assinala o menor estremeço interior ou exterior com uma amplitude imensa: basta-me viv......er para a agulha não parar e que cordilheiras de tinta os meus dias. Se me perguntam

- Como vais?

só tenho a mostrar riscos enormes, capazes de fazerem cair todos os prédios da cidade e espanta-me que Lisboa permaneça intacta e o chão nem oscile.

António Lobo Antunes, in "Quinto livro de crónicas".
 
 
 
 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Sensores

Há dias que apetece dar, mas receber de volta.
Desculpem-me o pouco católico da coisa, mas como ouvi alguém "entendido" dizer por estes dias nós gostamos que nos tratem bem.
A química do amor explica isso fascinantemente.
Fico-me pelo sensitivo, sabe-me lindamente ser acarinhada.
Como diz o ditado popular "quem não sente não é filho de boa gente". E eu sou filha de boa gente.
Por isso, quando recebo uma prova de carinho inesperada que me faz concluir que não sou somente mais um ser  à face da terra , activam-se  os meus sensores da felicidade. Diz mais uma vez o entendido. Eu só sinto.
É que isto de acarinhar, amar, dar, animar, fazer sorrir, ouvir, estar atenta, apoiar, compreender, aceitar, ... funciona melhor ... reciprocamente.
Talvez por isso quando sou bafejada por ditos como "os meninos falam frequentemente de ti" eu esparralho-me toda e demora um pouco a apanhar os pedaços. Aqueles pedaços que perfazem um todo e que tantas vezes parecem desconexos.
Bem sei que nós mulheres funcionamos muito "olha para o que eu não digo" e que por vezes somos difíceis de descortinar.
Só se pede um pouco de atenção e... carinho.
 

 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Sabe-me a boca a fado

"Quando me sinto só sabe-me a boca a fado."
 
 
Hoje ouvi isto e alojou-se.
Não estava só e fiquei.
 
E embalei assim pela noite, em ilha lá longe.