sexta-feira, 27 de junho de 2014

Agridoce

E lentamente a vida muda.
Uma coisa aqui, outra ali e outra acolá para um big finale que se tornará no início de uma continuidade já esperada.
2014 não tem sido mau, mas fácil também não.
Tudo é sentido como um turbilhão, até nos momentos serenos.
Adaptação a uma nova realidade, lamber das feridas, descobertas agridoces.
O que vale é que não estou só e no meio do turbilhão ainda há capacidade para conquistas e ser conquistada. Ainda há capacidade para fortalecer laços. Ainda há ombros fortíssimos e disponíveis.
Ainda há capacidade para a empatia. Ainda há capacidade para ser forte. Para dar força. Para rir e fazer rir. Ainda há capacidade para brincar.
Há dias que as alegrias dos nossos e dos outros tornam-se tão nossas quanto deles, mesmo que isso signifique o virar de página numa rotina, uma distância que terá de ser encurtada pelo virtual.
Há dias saudosos do que houve, do que se viveu. Há dias saudosos do que poderia ser e não é.
Há dias para esconder olheiras, pôr uma maquilhagem, sair e sorrir ao mundo lá fora para que a tristeza do de dentro não vença a batalha.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Verbo

A vida será sempre dos destemidos, dos arrojados, dos atrevidos.
Não só a vida lhes responde mais, como retira rapidamente algum possível interesse de que possam ter sido alvo os que ousam ser discretos.



quinta-feira, 5 de junho de 2014

Emaranhados

Há dias que o emaranhado é de tal ordem, que o desalento ainda é maior, que a alegria parece uma miragem, que a solução não parece existir, que só apetece mesmo é desaparecer.
Como se resolve, mas como é que se resolve?...





terça-feira, 3 de junho de 2014

Mundos próximos

Fisicamente, sou só mais uma pessoa de um lado para o outro. O que as pessoas vêem é outra pessoa a dirigir-se a algo, a vir de algo, parada em algo, a dizer algo.
Há todo um outro mundo interior, invisível ao mundo físico, onde acontece a verdadeira acção.
Num dia de folga, onde é suposto descansar mente e corpo, há uma espécie de convulsão que irrompe pelo mundo interior adentro. Outros mundos interiores apoderaram-se do meu e não lhes consigo ficar indiferente.

Logo de manhã, começou pelo desabafo emocionado da mãe a contar que uma rapariga, mãe solteira, andava a fazer vendas porta a porta.
"Não me trate mal por favor, preciso de vender porque sou mãe solteira a sustentar sozinha a minha filha de dois anos"
"Oh Sandra, eu sei das histórias todas de trafulhice que para aí andam, mas e se este não era o caso?" - pergunta a minha mãe já de lágrimas nos olhos.
"Penso sempre que poderia acontecer a vocês e gostaria que alguém ajudasse os meus filhos numa situação destas."
Uma rapariga que perdeu a mãe aos 9 anos, foi para uma instituição onde conheceu o companheiro e de quem engravidou. Saiu aos 18 anos e pouco depois foi abandonada com uma criança nos braços.
A história é comum e por isso muitas vezes a desconsideramos por isso mesmo. Como se o banal, o recorrente deixasse de ser verdade porque se ouvir falar tanto. Como se pudéssemos desvalorizar a gravidade de histórias destas por serem consideradas banais. Como se devêssemos subir as guardas porque são já vulgares situações destas.
A verdade é que as minhas guardas estão sempre em baixo. É doloroso, mas prefiro assim a tornar-me cada vez menos sensível à dor do outro. Que mundo é este onde temos medo de ajudar? Onde se engana pessoas que estão dispostas a ajudar? Onde pessoas sofrem consequências gravíssimas por que foram almas boas?
No meu mundo não se ajuda toda a gente (feliz ou infelizmente), mas não é um mundo vendado ao sofrimento do outro. Não quero que seja.

**

Continuando a manhã, dirijo-me à loja do cidadão, e encontro um velhinho a pedir. 
Reparo nas suas mãos já deformadas pela idade e doença, porventura.
"Menina, por favor ajude-me, basta uma moedinha, é para comer, é para ajudar a comer."
Dou-lhe uma moeda e aqueles olhos (que ainda conseguem sorrir) sorriem com a esmola.
O senhor agarra a minha mão e dá um beijo nela "obrigada, menina, obrigada."
Tentei afastar-me para não me comover em demasia (porquê...?), mas não consegui virar-lhe as costas de imediato. Sorri-lhe, segui caminho e ainda ouvi "obrigada, menina, obrigada a todos!!". Só ali estava eu...
Quando saí passado 15 minutos, o senhor continuava lá, a pedir. Uma senhora, bem mais nova, ranhosa ao passar por ele "devia ter vergonha, com pensão e anda aqui a pedir, a roubar o que é nosso."
"Vê menina, os outros é que roubam e eu é que sou o ladrão por pedir. Obrigada, menina, obrigada."
Sorri-lhe, muda, e vim embora a pensar na vida triste que aquele homem deveria ter. 
Eu tinha estado ali, na tentativa de esclarecer os meus direitos, na tentativa de uma vida melhor e sabe-se lá onde chegarei e como.
Antes de entrar no carro parei o meu mundo e olhei uma última vez para o senhor. Ali estava ele, em pé, ombros curvados, quase a pedir desculpa por existir, a olhar encarecidamente para quem o evitava e fazia de conta que ele não estava ali.
O meu mundo não é mundo vendado, não pode ser, não posso deixar que seja.

**

Há uma canção de Rui Veloso que adoro: "As Regras da Sensatez".
Com uma letra e melodia belíssimas, mas que me lançam em contraditório. Umas estrofes aceito, outras não. O meu coração é mau aluno... e pouco sensato.





Não consigo...

Cada vez mais longínquo o regresso a um lugar onde fui a maior parte do tempo muito feliz, não consigo evitar uma visita de quando em vez. Para matar saudades e aumentá-las de seguida.
Porque eu tive o privilégio de, no local de trabalho, cimentar amizades, fazer outras, criar rotinas felizes.
Rotinas que uma pessoa, lá está, acaba por desvalorizar um pouco por isso mesmo, por serem coisas diárias, repetitivas. A velha história de que só se percebe o verdadeiro grau de felicidade de algo quando o perdemos.
Eu não perdi totalmente, as amizades mantêm-se, mas havia algo de reconfortante naqueles almoços a quatro vozes femininas em que se falava de tudo desde vida pessoal e profissional, chatices e desgostos até super heróis, livros, cinema e fadas Winx.
Hoje, ao reunir-me com as minhas compinchas da marmita, não consegui evitar o saudosismo das paredes da cozinha, do café da máquina, das portas que rangem ao abrir, dos universitários que parecem miúdos de liceu.
Estão a ver aquelas cenas de filmes com uma data de gente, em que se vê e ouve tudo desfocado e só uma das pessoas se destaca? É técnica baseada no real :)
Assim me senti eu (e peço desculpa às minhas amigas por ter deixado de as ouvir por instantes) quando só a sua simples presença me reclamou para um cantinho lá longe, só para sentir o quentinho do aconchego delas. Como se eu estivesse numa bolha de ar e elas as três noutra...
A memória destes tempos fica. A nossa amizade viverá em lugares diferentes, é esse o conforto.  
As coisas evoluem ou simplesmente mudam, quer queiramos ou não.
Salvem-se os laços...

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Isto, num dia em que outros só me viram a andar, a conduzir, a comer, a tomar café, a esperar, a dançar...



domingo, 1 de junho de 2014

Action heros

Desde tenra idade que me acho incompatível com crianças.
O relógio biológico foi concordante comigo e nunca foi resmungão. Quando lá de vez em quando resmunga, digo-lhe com espanto "estou-te a estranhar", ele envergonha e aquieta-se novamente.
Claro que gosto muito de crianças. Penso que, por isso mesmo, afirmei desde sempre que não tencionava ser mãe. Acho que elas olham para mim e com a sua perspicácia boa e pura desvendam na hora a fraude que eu seria como educadora. Por razões que evito aprofundar em demasia sempre achei que não daria uma boa mãe. É preciso ter disponibilidade e paciência para estar com uma criança. Sempre achei que tenho estas qualidades em doses pequenas. Muito francamente sempre tive um medo terrível de não conseguir fazer feliz uma criança indefesa, de não lhe dar os alicerces seguros e fortes para uma vida adulta sempre tão complicada.
O relógio biológico (o tramado...), acusando já o cansaço de um corpo em idade avançada para um filho, aquietou-se, mas numa vingança velada e subtil, tornou-me cada vez mais enternecida perante a presença de uma criança. É através delas que vamos mantendo alguma frescura e cor de viver num mundo cada vez mais pintado de cinzento. É através do olhar delas que ainda conseguimos ver e acreditar na utopia de um mundo melhor. É através delas que acho que ainda me salvo como ser humano quando uma pequenita de 2 anos, de olhos sorridentes, vem ter comigo para me dar um abraço e encosta a sua cabecita no meu ombro; quando um pequeno chora porque me vou embora; quando o meu sobrinho de 7 anos me vê e sorri; quando uma criança que me acaba de conhecer me dá confiantemente a sua mão para eu o ajudar a atravessar a rua. É através delas que reacende a ternura adormecida em mim.