quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Reflection


Ontem acabei de ver uma série em que o mais importante que lhe retiro é a capacidade de nos adaptarmos ao mundo através da nossa maneira de ser tantas vezes incompreensível para outros e, quantas vezes, difícil de aceitar mesmo por nós próprios.
Ontem acabei de ver uma série em que o mais importante que lhe retiro é também a capacidade de alguém nos conseguir fazer rir. Não aquele rir só de lábios, tantas vezes um espasmo sem sentido ou com o sentido de não ser antipático, mas aquele que vem das entranhas, que nos surpreende e obriga a relaxar a face e sorrir além lábios.
Há dias vi-me emocionada com a morte de alguém que nem conhecia. Alguém que lia regularmente em mural alheio e que marcava pela sua presença boa.
Há dias vi-me emocionada com a morte de alguém que nem conhecia porque vi a falta que faria aos que ficaram. Falta não só nas conversas, mas acima de tudo naquelas rotinas que parecem aborrecidas, mas que constroem vida, amizades e afectos. É o lanche que se paga e “para a próxima és tu”. É os coupons de supermercado que se guardam porque vai dar jeito a…. É as promoções que se avisam. É o presente que se tinha em mente e que fica por dar.
Acho que as pessoas subestimam o poder do virtual nos afectos. Ou demonizam-no. Como se a pessoa que somos no virtual se descole da real. Não. O que quer finjamos no virtual somos nós, bem reais, porque a capacidade de mentir é real, só o caminho é que agora também pode passar pelo virtual.
Há pessoas que subestimam a capacidade de dar através do virtual, quando muitas vezes, infelizmente, é mais fácil dar através deste do que no real. Porque a capacidade de dar existe, porque não se dá o que não se tem.
Há pessoas que subestimam a capacidade de amar através do virtual, que ferem do alto das suas palestras, como se o facto de não vermos ou sermos vistos lhes tire a capacidade de magoar e nos tire a capacidade de sentir.
Por estes dias apercebi-me que com o avançar dos anos choro mais: de tristeza e de alegria.
Por estes dias apercebi-me que com o avançar dos anos me emociono mais: seja com o bom ou com o mau.
Por estes dias apercebi-me que tudo é amizade e atenção, mas que estas são constantemente lesadas com o egoísmo dos interesses próprios.
Por estes dias apercebi-me que o nosso olhar muda inexoravelmente. De um olhar vivo, sonhador, expectante para um olhar reflexivo, desalentado e conformado com o que a vida não deu e provavelmente não dará.

Reflection, de Ron Hicks

domingo, 5 de junho de 2016

Espelhos


O senhor piscou-lhe o olho, acenou com a cabeça e sorriu mostrando que tinha reparado na sua presença e seguiu caminho.

Um sorriso enorme abriu-se no rosto do rapaz. Por vergonha ou excesso de contentamento (ou ambos), o seu corpo mexeu-se irrequieto, as mãos pareciam não ter sítio onde pousar e olhou para as pessoas à sua volta -  o enorme sorriso mantendo-se - como que a dizer “Viram? Ele sorriu e cumprimentou-me? Viram? Ele reparou em mim…”

 

Há pessoas que importam mais que outras e é a atenção delas que contribui para a nossa felicidade (também). Por muita atenção e interesse que tenhamos de muita gente, é a daquelas que nos importa que conta acima de tudo.

Por muito que necessitemos do nosso espaço, acredito na necessidade imperiosa de preenchermos outros espaços. Um não exclui o outro, óbvio. E acho que a nossa felicidade maior passa essencialmente por aí, pelos espaços em que nos deixam entrar e conviver.

Depois existem os espaços a que desejamos pertencer. Há pessoas que importam mais que outras. Não tem de ser recíproco, mas é essa reciprocidade que ditará a existência e sobrevivência do relacionamento.

A atenção que nos é dedicada e a que dedicamos… Quando a balança se desequilibra pouco se salva.

Almas maiores darão sem esperar em troca. As outras sofrem… porque tendo tido, não entendem agora a desatenção, o desinteresse, o descuido. Ou se entendem, custa-lhes aceitar o óbvio.

O óbvio de sermos as mesmas pessoas que cativaram, importaram em determinada altura mas que agora já não somos suficientes,  pouco significarmos e sabermos tão bem o que isso quer dizer. Porque também nós significamos muito para outros que pouco ou nada nos dizem e lidamos com a situação – quantas vezes – com desapego, indiferença, pragmatismo frio.

Porque é nosso direito darmo-nos a quem nós bem entendermos, preenchermos o nosso espaço com quem bem quisermos e desejarmos e no caminho desligarmo-nos de quem pouco ou nada nos diz.

Mas este direito é cru, egocêntrico e quando nos bate à porta entendêmo-lo, mas detestamo-lo. Porque é um direito-espelho. Porque sentimos na pele o descuido e desinteresse que nós próprios infligimos a outros, porque sabemos o quanto isso dói e quanto faz sofrer.

E no meio disto tudo, resta a delicadeza e sensibilidade no trato, não abusarmos da boa vontade e generosidade de outros e sermos compassivos.

E seguir em frente aceitando a descoberta de novos espaços...


domingo, 15 de maio de 2016

De que adianta o "para sempre"?

Ando aqui às voltas sobre o que pensar, sobre o que escrever, se devo escrever, se devo publicar.
Isto não é sobre mim, mas sobre ti.
Espantou-me a minha reacção quando soube hoje porque partilhámos poucos momentos juntas.
Mas tinhas algo que chamava a atenção. Acho que era a tua aura. Tinhas um sorriso meigo, uma calma que irradiava do teu rosto e nos transmitia paz.
Depois fiquei a admirar-te por seres voluntária, abdicares das tuas férias e ires em viagem ajudar outros. Confirmava a alma nobre.
Depois transformaste-te num exemplo de força e esperança. E acho que foi isso que me fez desabar hoje...
São precisos exemplos de luta vencedora neste mundo, são precisas tochas de esperança para aguentar um dia-a-dia cada vez mais duro. Gostava que tivesses sido um. Perene. Presente. Físico.
De que adiantam estrelas no céu se são necessárias na terra? De que adianta "para sempre" quando o agora é imprescindível num beijo, num abraço, num olá, num (sor)riso, no trabalho, num momento, num olhar?
Num mundo de substituíveis, como será o mundo sem nós?
Obrigada pela tua pegada. Obrigada pelo teu rasto.
Obrigada pelo bom que deixaste nos que contigo conviviam. Porque foi esse o teu legado. Porque foi assim que enriqueceste este mundo.
Beijinho, Ana.















terça-feira, 12 de abril de 2016

Vergonha

Há uma vergonha na exposição.
Há uma vergonha na facilidade com que se acredita, se confidencia, se ri, se faz rir, se ouve, se fala, se acarinha, se cometem actos inconfessados, se ousa, se confia,...
Há uma vergonha no dar... porque se achou que significava algo, que não era só proveito egocêntrico, mas uma construção de algo, por muito indefinido que fosse.
E esta vergonha alimenta-se do vazio que se sente porque parece que tudo o que era dado, e como tal valioso, se esfumou como se não tivesse tido qualquer importância e daí o seu natural desaparecimento. Como se o vivido tivesse sido uma ilusão, um sonho de uma noite, sal ou açúcar que se desfazem, sabão que se transforma em espuma...
Há uma vergonha na facilidade com que se é esquecido, na facilidade do não-diálogo, da ausência, como se tudo o que tivesses ou sido fosse inútil, sem valor, sem interesse.
E isto corrói. Corrói quando a luz mais bonita do dia te faz chorar por lembrar a felicidade; quando te emocionas em demasia com um amigo que tem um gesto atencioso contigo porque te faz lembrar a inexistência de outros gestos que gostarias de ter recebido; quando viras a cara para outro lado para não ver o carinho entre quem se gosta porque te faz lembrar o que gostarias de ter vivido; quando te martirizas a ver o que não queres porque preferes a presença dessa dor à ausência total e absoluta de uma presença; quando algo te diz muito, mas a conversa só tem espaço no teu imaginário; quando te comparas depreciativa e estupidamente com tudo e todos desvalorizando-te a um ponto que até tu sentes que estás a ser injusta contigo própria.
Há uma vergonha no sofrer. Porque talvez até isso seja perda de tempo, de vida... que no fundo só a ti te toca.







domingo, 27 de março de 2016

Captivare

Quando precisava de espairecer e acalmar entrava numa livraria.
Era algo que nem tentava entender, só usufruía do sentir.
Desde que um dia pegou num livro, folheou-o aleatoriamente e parou ao calhas numa página que lhe deu - espantosamente - o ensinamento do dia , volta e meia pega num para ver se encontra as respostas que necessita. Acha piada ao acaso. A verdade é que poucas vezes as páginas lhe trazem algo que não seja ficção ou bela escrita, mas num anseio de poetizar a vida com coincidências lá vai dando azo ao gesto.
Nunca leu o Principezinho, mas sabe que fale de ternura e cativar.
E a palavra que não lhe saiu todo o dia do pensamento foi essa - cativar.

Ficar ou permanecer cativo (perder a liberdade); estar preso (fisicamente ou moralmente); sujeitar-se.
Manter em sua posse; conservar.
Conseguir a atenção ou o afecto de; seduzir.
Ficar apaixonado por; enamorar-se.
(Etm. do latim: captivare)

Não era de se deixar cativar facilmente, em que sentido fosse.
Era desconfiada, atenta ao pormenor para descobrir o engodo, mas com grande anseio em acreditar.
Com uma grande necessidade em acreditar. Talvez fosse por isso que depois de cativada dava tantas oportunidades. Porque queria continuar a acreditar. E, igualmente, acreditar que não se tinha enganado.
Há intuições que estão presentes desde o primeiro momento, mas que devido à ânsia de viver, de acreditar no bom e no belo, as tentamos reduzir à insignificância. Mas elas estarão sempre alerta e ela sabia disso.

Abriu "O Principezinho" nunca lido que se encontrava na sua biblioteca e folheou-o ao acaso e parou na página 41. Leu e sorriu... 

- Não te vás embora - respondeu o rei, que se sentia muito orgulhoso por ter um súbdito. Não te vás embora que eu faço-te ministro!
- Ministro de quê?
- De... da Justiça!
- Mas não há ninguém para julgar!
- Nunca se sabe - disse-lhe o rei. Ainda não percorri o meu reino todo. Estou muito velho e como aqui não há espaço para uma carruagem tinha de ir a pé. Mas canso-me tanto!
- Mas eu já dei a volta a tudo - disse o principezinho, debruçando-se para dar uma última espreitadela ao outro lado do planeta. Lá em baixo também não há ninguém...
- Então julgas-te a ti próprio - respondeu o rei. É o mais difícil de tudo. É bem mais difícil julgarmo-nos a nós próprios do que aos outros. Se te conseguires julgar a ti próprio, és um sábio dos autênticos.


Ela sentia que a sua aprendizagem não estava no acreditar, mas sim no deixar de acreditar.
Ela queria continuar a acreditar, até porque aí residia o bom da vida. Mas queria aprender a deixar de acreditar rapidamente quando era necessário. Ela queria aprender sobre o famoso desapego de que tanto ouvia falar. Ela queria saber como fazê-lo. Porque estava cansada de outros a conseguirem e ela não. Porque não entendia o bloqueio. Porque tempo e energia são preciosos. Porque viver é precioso e porque, por muito que custe o futuro incerto, é lá que reside o continuar da vida. 
Porque ela tinha bom coração e tinha receio de deixar de o sentir.


sábado, 27 de fevereiro de 2016

Contradições

Talvez a nossa maior obra seja resolvermo-nos a nós próprios.
Pessoa que não se questiona sobre si mesma não me inspira muita simpatia nem confiança.
Não somos perfeitos, e admitir isso não quer dizer que arranjemos uma desculpa para as nossas imperfeições. É um motivo, sim, para avaliarmos a nossa pegada e consequentemente o nosso rasto.
Há algum tempo que sou/estou (n)uma encruzilhada e ando às aranhas para lhe encontrar uma saída.
Estou a pedir ajuda ao tempo, mas sinto que não é essa a solução. Porque o perco e já não tenho idade para ser perdulária.
Cheguei à conclusão que não posso esperar encontrar a solução para tudo. Mais, que as soluções não são definitivas. A médio e longo prazos provavelmente terão de ser revistas. Porque se envelhece e novos horizontes se abrem, novas portas de sabedoria deslumbram-se. Porque novas circunstâncias provarão que a vida é uma constante mutação.

Hoje, mais do que nunca, aceito as contradições. Não estou a dizer que as entendo ou que as acarinhe. Só passei a aceitar a sua existência mais pacificamente, sem julgar tão veemente. Lições de vida.
Hoje entendo melhor que uma pessoa possa perceber algo, mas senti-lo e vivê-lo diferentemente.
Hoje consigo perceber que a razão e a emoção, partilhando a mesma crença, não permitam à pessoa reagir da mesma maneira. Repito, entendo, não quer dizer que não o repudie.

Assim, talvez dê algum espaço à compreensão quando por ex. um filho entenda o porquê da separação dos pais, mas os queira ver juntos mesmo que infelizes; um filho entenda que os pais tenham direito a recomeçar vida após o divórcio, mas não aceitem os novos companheiros; um ex-conjugue tenha querido o divórcio, mas não queira que o seu ex se apaixone de novo; um colega reconheça o excelente trabalho de outro, mas não consiga evitar a inveja; uma pessoa não sofra o que é suposto ser "normal" pela morte de um pai, não sentir propriamente saudades, mas que por encontrar alguém com parecenças, se desmanche em lágrimas; uma pessoa se apaixona por alguém, entenda que a outra pessoa não tem a obrigação de retribuir, mas se sinta profundamente magoada pela falta de estima; uma pessoa infiel não aceite a infidelidade de quem ama; entre tantos outros exemplos que me escapam.
Ressalvo todas as vezes que for preciso: entendo a contradição, não quer dizer que a aceite feliz e de bom grado.

Encontrei este texto abaixo que me aliviou no sentido de me permitir a identificação.
"Não sou a única". Como se em alguns casos saiba bem alguma generalização para não nos sentirmos tão desenquadrados.

http://lounge.obviousmag.org/coffee_is_my_boyfriend/2015/05/o-peso-de-amar-um-coracao-que-ja-ama.html

É muito difícil aceitar que não somos amados no mesmo grau que amamos ou que nem sequer o somos.
É muito difícil aceitar que quem gostamos ame outra pessoa e que não o esconda, numa insensibilidade compreensível qb de quem não tem olhos para mais ninguém nem queira saber do sofrimento que causa, a não ser o seu.
É muito difícil aceitar que a nossa presença é apenas bem-vinda quando conveniente.
É muito difícil aceitar que a nossa ausência não cause saudades.
É muito difícil aceitar que a vontade que tens para contribuir para um sorriso e quiçá a felicidade do outro, não inspire a mesma vontade.
É muito difícil aceitar que facilmente és substituível.
E com todas estas razões evidentes, vistas, minimamente explicadas, estupidamente o sentimento não te liberta. Ele vê, mas recusa-se a aceitar. E pede ajuda ao tempo.
Tempo que, tal como a contradição, acaba por desejar incoerente. Porque o deseja célere na resolução, mas lento no passar dos dias.



sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Lugar

Há uns dias li algo que me parou. E como tudo o que me faz parar, fiquei a pensar no que tinha lido.
Ao interiorizá-lo senti uma tristeza imensa. Porque eu já tinha sentido aquilo, e em poucas palavras tudo se resumiu de uma maneira tristemente bela.

"Na alma ninguém manda...
Ela simplesmente fica onde se encanta..."

Sil Guidorizzi


"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia; e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
Fernando Teixeira de Andrade
heart emoticon

Não adianta o esforço em agradar a alguém se a esse alguém o teu esforço pouco significar.
A importância que se dá ao gesto, atitude, carinho, o que seja, poderá nunca ser apreciado como o desejas. Se tem de ser na mesma proporção? Não. Mas tem de ter alguma. Se não a há, um vazio e um desalento crescente surgem porque sentes que o que fazes que importante é para ti pouco significa para outros. E aí vês o teu lugar.
Se é o curso da vida? Sim. Se também o fazemos a outros que significam pouco para nós? Sim. Se as pessoas têm o direito de escolher com querem estar, agradar, cativar, confidenciar? Absolutamente.
Mas não deixa de ser profundamente triste o curso da vida. O que as pessoas fazem para cativar, agradar porque desejam significar e depois o que deixam de fazer porque deixou de interessar.
E neste intervalo há todo um mundo de intenções, atitudes, gestos, palavras, expectativas que caracterizam um relacionamento. E está no avaliar disto tudo a opção de o manter ou não. De desistir ou não. Para quê impor a nossa presença por muito que a queiramos manter? Para quê a insistência num gesto se não há um retorno mínimo expectável que se cumpra? Para quê insistir num contacto que a outra pessoa não mostra cuidado em preservar? Se a nossa ausência e/ou presença pouco marca a vida de outro? 
Talvez corajosos sejam aqueles que partem por tristemente se aperceberem que nada acrescentam, por muito que desejem ficar.