sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Vivermo-nos

Não era uma senhora simpática.
Sentia-a como uma senhora mal-amada pelos seus, por ela própria, pela vida.
Vizinha dos meus pais, tornou-se minha, e nunca dirigimos mais que um cumprimento de fugida.
Sentia-a como uma senhora infeliz, já não dona dela, que sobrevivia a si mesma. Só.
Comecei a cruzar-me mais com a senhora nos últimos meses e por diversas vezes achei que não me reconhecía. Uma vez foi indelicada comigo, vi-lhe o espanto quando se apercebeu quem eu era, mas voltou ao seu mutismo.
Há três dias atrás pedi-lhe licença para entrar num sítio que iria começar a limpar, olhou de soslaio educado para mim e permitiu-me a entrada. À saída agradeci-lhe. Não me falou.
Há um dia atrás faleceu. E automaticamente lembrei-me daquelas parcas palavras trocadas.
Não sei se por necessidade minha, associei-as quase inconscientemente a uma despedida nossa. E não consegui evitar a comoção. E nestas alturas badala-me sempre aquele tic tac tic tac mórbido da contagem decrescente da vida das pessoas.
A realidade é que cada dia que passa vamos ao encontro da nossa morte. Um dia tic, outro dia tac.
E nestas alturas penso que não se consegue evitar as perguntas:
Damos valor ao que temos? Lutamos pelo que queremos? Desperdiçamos vida? Deixamos legado não material?
Choca-me as pessoas que se vão embora desta vida como se quase não tivessem existido. Como se ninguém lhes sentisse a falta. Que se tornem rapidamente numa lembrança longínqua sem saudade.
Talvez seja importante avaliarmos regularmente o nosso legado de vida para nos sentirmos, para nos vivermos, para não simplesmente sobreviver.

Descanse em paz e ... até sempre.


sábado, 13 de dezembro de 2014

On the road to Christmas

- Mandou-me chamar, Senhor?
- Sim, Clarence. Um homem na terra precisa de nós.
- Esplêndido! Está doente?
- Não. Pior. Está desanimado.

Wonderful Life, de Frank Capra

Recordo-me de ver este filme passar na televisão quando era miúda. Da única vez que o vi ficou somente a imagem de um homem completamente perdido no tempo e que ninguém reconhecia que se tenta suicidar numa ponte na época de Natal.
Basta dizer que numa criança isto era inconcebível. No Natal gente infeliz?!?! E a família não o conhecia porquê?! E um filme a preto-e-branco? Que coisa mais triste!
Por causa desta ideia de tristeza profunda que me ficou nunca mais quis ver o filme e nos Natais seguintes evitei-o sempre.
O ano passado decidi reconciliar-me com o filme. Foi mesmo um objectivo de época natalícia.
Não o tinha, procurei-o e encontrei-o. E numa daquelas tardes frias, cinzentas a pedir sofá, manta, chá e biscoitos preparei-me para o ver.
Fui conquistada logo às primeiras falas. Sim, as que destaquei acima.
E ao fim de 2 horas de filme, chorei como em miúda, mas associado vinha uma enorme satisfação por ter feito as pazes com "Wonderful Life".
É um belíssimo Conto de Natal, intemporal na sua sabedoria e mensagem, e que se tornará definitivamente numa das minhas tradições natalícias.Aconselho-vos vivamente.
Por estes dias vou procurar o seu aconchego...





Zangas & Desculpas

Pior que nos zangarmos com os outros, é zangarmo-nos connosco próprios.
É que desculpar (ou não) os outros é um processo mais fácil do que nos perdoarmos (ou não) a nós próprios. Acredito que somos de um modo geral muito mais severos críticos de nós mesmos e não nos perdoamos facilmente. Principalmente quando falhamos na óbvia evidência que insistimos em ornamentar para ficar menos óbvia.
O que fazer quando temos muita dificuldade em nos desculpar?
Não sei, talvez rodearmo-nos de amigos que suportam estoicamente ser chagados vezes sem conta com as nossas dores e que tendo tantas vezes a resposta dura e crua na boca, optam por simplesmente estar porque sabem que da teoria à prática a distância consegue ser enorme.


terça-feira, 25 de novembro de 2014

O que preferia não ter lido

Acontece esbarrar-me em livros que o ímpeto exige a compra imediata.
Nem que seja para dizer que é meu, que fica na estante à minha disposição para quando eu o quiser ler ou simplesmente ver-lhe a capa ou folheá-lo.
Há livros na minha estante que não sei se serão lidos.
Há livros na minha estante que não sei quando serão lidos.
Há livros na minha estante que demoram anos a ser lidos.
Há livros na minha estante que são lidos de imediato.
Há livros que são lidos com anos de atraso.
Mas todos são lidos na hora certa.


Acontece-me encontrar nos livros o que nem sabia que procurava.
Acontece-me encontrar nos livros o que pensava ser problema só meu e ficar aliviada com a desgraça também alheia.
Acontece-me encontrar respostas nos livros.
Acontece-me a coincidência de sentir naquela altura da minha vida o mesmo que os personagens sentem na história de papel.
Acontece-me o prazer de simplesmente ler.
Acontece-me ler o que preferia não ter lido, não porque seja desprovido de beleza ou desinteressante, mas porque pedaços de literatura não nos permitem ficar pelo simples prazer do acto de ler.
Porque ferem. Porque fazem pensar. Porque ferem. Porque nos emocionam quando não queremos. Porque ferem. Porque nos descobrem. Porque nos ferem. Porque não nos deixam mesmo depois de os termos lido há horas.


***


“As mulheres interessam-se mais por quem estão apaixonadas, e apaixonam-se mais por quem se interessam…
Isto para chegar a duas frases d’A Mulher de Trinta Anos que foram uma revelação, quando as li.
A primeira diz: “A paixão faz um progresso enorme numa mulher no momento em que ela crê ter agido pouco generosamente, ou ter ferido uma alma nobre”.
E a segunda conclui: “Nunca se deve desconfiar dos maus sentimentos no amor, eles são muito salutares; as mulheres não sucumbem senão ao golpe de uma virtude.”
Gelei. Porque algures em 1830, entre duas taças de café negro, um parisiense-tão-parisiense escrevera o que aconteceu comigo em Maio de 2014 no Alentejo.”


In "O meu amante de domingo", de Alexandra Lucas Coelho


***
Afinal minto (a mim própria).
Nunca me arrependerei de ler o que me fere, o que me ensina, o que me emociona, o que me ajuda, o que me provoca, o que me dá prazer, o que me leva a escrever, o que me leva a viver.
Só que...

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Rotinas que nos guiam


Há rotinas que criamos e que depois nos guiam já sem pensarmos.

Quando damos conta já as fizemos, como se tivesse havido um lapso de tempo em que fomos teletransportados.

Assim é quando na minha hora de almoço me encontro na livraria do sítio.

Só preciso de ficar ali, a olhar os livros que vi ontem e anteontem e antes disso.

E quando volto ao trabalho… regresso calma.







domingo, 16 de novembro de 2014

Simplificar as coisas pode ser coisa complicada

Porque a mente pode ser clarividente, mas o membro bombeador troca as voltas.

Como baixar as expectativas sobre os outros? Com os outros? Minimizar é difícil.
Expliquem-me como funciona o interruptor porque por muito que tente a desilusão está sempre ali à espreita, pronta a envenenar terreno pródigo em emoções.

Não sou uma pessoa desapegada. Quero sê-la?...

Como baixar o nível de exigência sobre mim mesma? Os desafios lançados deveriam ser vividos suavemente. Convicta de que é preciso vivê-los intensamente, mas como evitar a desilusão quando não alcançamos os nossos propósitos como gostaríamos? Como aceitar pacificamente o "menos" que não tem necessariamente de ser mau? Que só o é mesmo aos nossos olhos...

Como evitar que o bom e quente do apoio e palavras amigas seja suplantado por aquele apoio que esperávamos e não veio? Pela atenção que desejávamos e não se concretizou? Como evitar negligenciar todos os que estão para/por nós porque não conseguimos menorizar a mágoa que nos deixam os ausentes?

Como fazer as pazes com um familiar que decidiu ir embora?
Como aceitar isso sabendo que de alguma forma fomos responsáveis pela sua ida?
Como apaziguar a culpa?

Como equilibrar a balança dos sentimentos?
Como evitar a estranheza (e alguma culpa) de considerarmos família os nossos amigos e não sentirmos o mesmo apego pelos do nosso sangue?

Como graduar a escala da dedicação?

Simplesmente, não é?...








quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Faz um ano que...

... com a minha assertiva franqueza encerrei capítulos.
Foi um final de ano libertador, feliz aqui e acolá.
Desafios superados contribuíram para alguma paz de espírito e uma maior crença em mim como pessoa capaz.
Um ano depois olho para trás e vejo que o que perdi tornou-se num futuro ganho.
Um ano depois é interessante ver o que mudou... e para melhor.
Um ano depois vejo só caminho(s) incerto(s), mas preferível ao que tinha.
Foi mesmo um efeito dominó: decisões tomadas despoletaram outras tantas.
Resta crer, acho que, em mim.



sábado, 25 de outubro de 2014

Idiossincrasias

O que nos faz ter um gesto de atenção, força e carinho por um desconhecido quando tantas vezes não nos predispomos a ter com os nossos?
É preciso fazerem-nos falta?...



quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Esta estranha maneira de ser

que precisa
que repele
que deseja
que afasta
que sonha
que pergunta
que se cala
que ama
que se envergonha
que se emociona
que desconfia
que sofre
que imagina
que não luta
que se fecha
que deseja
que afasta
que ama
que se ilude
que precisa
que se emociona
que sofre
que deseja
que sonha
que afasta
que mal discute
que não luta
que repele
que não pergunta
que não se cala
que reage
que ama
que deseja
que sonha
que não pergunta
que se cala
que se fecha
que abraça
que sofre
que repele
que seja
que ama
que precisa
que se emociona
que mal pergunta
que se afasta
que não luta
que sonha
que ama
que deseja
que não luta


que perde



sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Mulher-Força

Hoje mimosearam-me com o epíteto "Mulher-Força".
Surpreendida e bastante lisonjeada por vir de quem veio, fiquei a pensar...
Mas.. é mesmo assim que as pessoas me poderão ver?
E porque é que eu não me vejo assim?
Ou bem no fundo saberei que é assim, só sinto as forças quebradas?
A distância que vai do que somos ao que passamos (ou permitimos passar), do que somos ao que acham de nós, do que somos ao que achamos de nós próprios...



quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Carla

É uma memória vívida como se tivesse acontecido ontem.
Recordo-me de estar a aguardar pela minha vez no hall e ela entrar toda despachada, cheia de segurança e garra e dirigir-se à pessoa responsável para saber quando faria as provas.
Soube instantaneamente que ela seria escolhida para o curso de teatro. Vi a aura de talento cravadíssima nela só pelo seu simples estar. Não se explica o que se (pres)sente.
Também soube ali que nos tornaríamos amigas. Há verdades escancaradas que nos são dadas de mão beijada, mas cujas explicações para elas não temos de imediato.
Soube claramente que estava a viver um "turning point" na minha vida.
Nos 3 meses que convivemos diariamente (nunca se voltaria a repetir tal assiduidade) admirava-lhe o talento, a inteligência com que o usava. Num registo mais pessoal, a sua frontalidade e a sua doçura revestida de carcaça. Sabia que era daquelas mulheres que nunca reuniria consenso. Ou se gostava ou não.
Ela teve a coragem de seguir carreira. Eu não.
Mundos diferentes, terras diferentes separaram-nos fisicamente por alguns anos.
Ainda na era do papel, correspondia-mo-nos esporadicamente por carta, nas datas chave. Estivemos anos sem nos ver.
Foi com o nascimento do 1º filho que o contacto se começou a tornar mais regular. Quando vi a bebé nos braços dela estabeleci um paralelismo lamechas. Não fazia sentido tanto tempo afastadas quando tudo se alcançava tão rapidamente. A partir dessa altura comecei a visitá-la mais regularmente. As peças de teatro dela tornaram-se um bom motivo para os reencontros. E a amizade fortaleceu desde então.
E continuei a admirá-la cada vez mais. A sua garra na profissão, a luta por trabalhar honestamente, o batalhar pela Arte e não se vergar à fama fácil, os seus valores familiares, a educação e atenção dada aos filhos, a maneira como enfrenta as dificuldades e as desilusões, a sua enorme força interior.
Não estava errada naquele primeiro dia.  Ali estava uma pessoa que me acompanharia para o resto da minha vida.
Passaram-se 22 anos desde aquele encontro no hall.




terça-feira, 12 de agosto de 2014

Conto - II

Ela encontrava-se numa fase aparentemente calma da sua vida. Nem tudo lhe corria de feição, mas o bom que existia compensava algumas desventuras. Propusera-se a alguns desafios, estes tinham-lhe corrido bem. Sentia-se satisfeita, confiante até. Ainda que uma confiança nunca linear. Nunca lhe dava grande crédito porque esta ziguezagueava imenso. Tinha sempre muito cuidado no excesso de confiança e/ou felicidade. Na expressão de alguma efusividade. Tinha receio de as perder por isso. Habituara-se a uma confiança efémera, fátua. Nunca saberia se por conspiração do universo, se por problema mental.

Num dia como outro qualquer (assim achava), um gesto igual a tantos outros anteriores marcaria a diferença. A vida é assim, muito dos gestos que implicam diferença não vêm marcados com "very important moment for the future". Vêm mascarados de rotina.
A atenção lisongeou-a, mas procurou minorá-la ao máximo. A atenção surpreendeu-a, mas francamente nem se achava digna dela. Impôs-lhe o adjectivo "passageira" e procurou ignorá-la. Para reforçar o efémero da coisa deu-lhe um prazo "6 meses e será passado".
A vida é matreira.
Contra todas as suas expectativas a conversa foi-se tornando boa, o contacto regular espantou-a. A confiança e o à-vontade foram ganhando terreno. Mas o alarme mental nunca a abandonou. Simplesmente achava bom demais para ser verdade.
Etapas que ela achava decisivas e que levariam a um "the end" porque assim tinha sido sempre, para sua surpresa, insistiam numa continuidade. Algo corria mal porque as coisas corriam bem. Ou quase...
Pelo meio, bateu-se sempre por ser ela própria. Não faria sentido de outra maneira. Acreditava que valeria por si. E foi abrandando os seus receios.
Esqueceu-se que o dar a conhecer pode ter um volte-face perigoso.
Nada é etéreo, ligeiro por muito tempo, a não ser que seja insignificante.
Começou a sentir a necessidade de um trato mais cuidado. Uma maior atenção que ela desejava espontânea e que não a pedia por não se achar no direito de. O não se achar no direito de alertou-a para a sua condição de ser e estar. E os seus alarmes regressaram, em força. Repreendeu-se e refreou toda uma conduta que queria natural e que começava a não o ser. Lembrou-se do prazo que tinha mentalmente instituído. Estava na hora, porque não acontecia?

A vida é matreira.
Num dia como outro qualquer, sem o esperar (ironia da vida), o silêncio impôs-se.
A vida é assim, muitas das palavras que nos saem não vêm marcadas com "danger". Vêm mascaradas de confiança, crença, à-vontade. E criam buracos de conversa.
Não sabia se ela tinha sido a razão ou outra coisa qualquer. Simplesmente, a partir desse dia, sentiu-se... insuficiente.
Recriminou-se pelo excesso de confiança em si. Já devia ter aprendido as partidas que lhe pregava.
De volta aos mínimos necessários de existência, deixar-se-ía ficar. Nunca tinha tido jeito para se fazer valer, para lutar por si, para competir. Os outros tinham sempre mais qualidades que ela, eram sempre mais interessantes. De que adiantava a luta? Para realçar as desigualdades?

Dizem que o que emanamos para o universo, ele dá-nos de volta.
Ela lamentava profundamente que as suas dúvidas, medos, desesperanças emanassem sempre mais forte que o Amor que tanto tinha para dar.




sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Linhas mestras


Não sei se serão só estas as coisas que importarão no fim. Tenho alguma dificuldade em resumir a vida por tudo aquilo que ela comporta. É, no entanto, muito importante a existência de linhas mestras. As de génese, as que criamos e desenvolvemos, as que defendemos, as que não gostamos. Estas últimas muito importantes porque saber o que não se quer pode ser uma valiosa orientação quando não sabemos bem o que queremos.

A linha mestra do Amor é incontornável. É pilar, coluna vertebral, entranhas, poro. Até quem opta pela solidão permite-se quebrar o seu rosário de vez em quando. Sofre por desamor algures, mesmo que a espaços. Ninguém consegue evitar uma felicidade imensa quando ama e é retribuído, mais do que o sorriso estampado na cara, é a força anímica que ganhamos.

O desapego é que é um osso muito duro de roer. Quando se gosta é muito difícil deixar ir, principalmente de forma graciosa. Qual o método indolor para se deixar de gostar de alguém rapidamente quando todo o nosso ser se conjugava com o outro? É muito complicado digerir a perda de estatuto especial ou aperceber-mo-nos que na realidade nunca o fomos. Isto ainda pior. Enfrentar o (nosso) engano, desmontar utopias, "teses líricas" juntamente com a decência e coragem de atitude de achar que cada um tem um direito de seguir com a sua vida, mesmo que isso não nos inclua e soframos horrores por isso. Mas esta atitude é imprescindível. Não há pior engodo que lutar por uma pessoa que não nos quer. Nunca dará o devido valor ao nosso sentimento e nós não nos estaremos a respeitar a nós próprios.

A ternura e cuidado no trato para com o outro é um lema. Nem sempre fácil de atingir, mas vale bem o esforço mesmo que rodeados de tubarões. E acredito que esta será a grande linha mestra que distinguirá a nossa vida em vida e morte, mais que o Amor. Viverá a meias com a sensação de desilusão, desalento, injustiça e deseja-se que nunca vencida por estas.
A estas palavras acrescento as linhas mestras da honestidade, da sinceridade, da integridade. Fala-se tanto, escreve-se tanto, diz-se tanto, aponta-se o dedo tanto. E se não revelarmos um pingo de consciência e humanidade nos nossos actos seremos uma fraude. E as consequências, não as sofreremos só nós.


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Manifesto

Há dias em que parece que o mundo nos cai em cima. Seja porque se conjuga toda uma série de coincidências a complicar o que deveria ser simples, seja pelo acumular de tensões que não desaparecem com uma boa noite de sono ou um bom dia de sol.
Há dias que poderiam saltar do calendário.
I want my silly season... Até parece que isso este ano desapareceu. Quero aquela estação em que o fútil permite uma ligeira pausa da seriedade do restante ano, que o sol permite relaxar o corpo e dar azo à preguiça boa e despreocupada.
Há dias em que me canso do mundo. Entendo-o cada vez menos. Desilude-me cada vez mais.
I want my silly season to escape.
Não quero pensar no banco que está a pôr em causa o meu posto de trabalho.
Não quero pensar como tinha um trabalho tão interessante e que adorava e que de um momento para o outro mo foi retirado.
Não quero pensar na estupidez das pessoas e na minha imensa dificuldade em lidar com ela.
Não quero pensar nas minhas amigas que partem para os estrangeiro porque cá não vêm aproveitadas as suas capacidades de trabalho e que lá fora são reconhecidas.
Não quero chorar de desmotivação e exaustão a caminho de casa.
Não quero a solidão do fim de tarde.
Não quero adeus, muito menos dos fáceis. Se tiver que haver adeus que haja a dificuldade de uma despedida.
Não quero teias. Estou cansada das minhas teias.
Quero o aconchego de uma boa conversa.
Quero o meu humor de volta.
Quero acreditar que tudo tem sempre uma solução.
Quero acreditar que é sempre possível suplantar dificuldades de expressão.
Quero acreditar que nada é em vão.
Quero aqueles dias em que uma pessoa acorda a sorrir e faz sorrir.




sábado, 2 de agosto de 2014

Fogo autónomo

"Quando ele a serve, os olhos fixam-se nos olhos e algo muda, e o braço já não treme. É um instante grave, um desses instantes com o qual um dia se inventará um começo.
...
Não basta sair das mulheres para saber delas, nem mesmo entrar-lhes no corpo. Pode um homem entrar numa mulher sem nunca chegar a conhecê-la, para isso é preciso muito tempo e um desejo que não se apague com o dia.
Cada mulher é uma soma de parcelas sem conta, uma por cada homem passado, por cada homem querido, por cada dor, por cada filho. Há partes que dormem até que um toque as estremeça, outras que ardem num fogo autónomo, sem que nada o alimente.
Há mulheres tabuleiro, jogos de combinações infinitas onde nenhuma estratégia garante a vitória. Jogos de toda a vida, até que alguém se renda ou a luz se apague."

"No meu peito não cabem pássaros", de Nuno Camarneiro

quinta-feira, 24 de julho de 2014

É estranho, mas não impossível

Num mundo em que se dá imenso destaque aos horrores à nossa volta, estar bem, ser feliz torna-se estranho. Para os de mal com a vida é quase uma ofensa o bem-estar dos outros.
A crise é uma óptima desculpa para a mesquinhez e terreno pródigo para a inveja, intriga, maledicência e usurpação de direitos. Repara-se na quantidade de pessoas a fazer férias, a ir a festivais de Verão, a aproveitar um fim-de-semana fora, a jantar em restaurantes, a aproveitar o sol de uma esplanada, na roupa marca x que aquele/a traz vestida (juntando os galões de como se é poupado e mostrando quanto pagou por a, b ou c) e por aí fora.
Estar bem / ser feliz é mau. É estranho. Por incrível que pareça até para nós próprios. Há quase uma espécie de culpa associada. Não o dizemos abertamente quando passamos por fases verdadeiramente boas. Por pudor pela infelicidade dos outros, pelo "mau olhado", batemos 3 vezes na madeira quando afirmamos algo de muito bom e não queremos que desapareça.

"Como estás?"
"Vou indo"

Há uma tendência, uma amiga minha chamou-lhe e muito bem, portuguesismo, para a desgraça, para a tristeza, para o menosprezo das nossas qualidades.
Não me estou a excluir deste lote. Estou a reflectir sobre mim mesma e as incongruências de tanta coisa do que faço e do que me é dado a ver e pensar sobre.
Porque o que eu sou e como sou afecta-me obviamente a mim, em primeiríssimo lugar. Mas acaba sempre por influenciar os que me rodeiam, os que eu amo e prezo. E isso, consequentemente, reflectir-se-á, de novo, em mim.
Todos temos fases boas, péssimas, assim assim, em que a vida parece que nos passou completamente ao lado, que não quer saber de nós, em que tudo é difícil, que a dor parece infindável, mas que remédio temos nós senão acreditar em dias melhores? E quando as forças (e a mente) o permitirem, lutar por isso?
E chego à conclusão que tudo passa em 1º lugar por não achar a felicidade um corpo estranho. Não o é, não pode ser,... não pode ser.

O colocar-mo-nos no lugar dos outros (que continuo a achar uma da maneiras mais íntegras de se viver e conviver) tem algumas dificuldades.
Perante o desabafo de amigos meus, por estes dias, em que tanta coisa lhes corre mal, há uma sensação enorme de impotência. O que se diz, o que se faz para cuidar, para afagar? Porque quando me sai da boca "dias melhores virão, tens de ter esperança" até a mim a afirmação parece ingénua. Porque quando se abraça apertado, apertado sabe-se que não cura a dor.
Não será a solução acreditar mesmo que a felicidade não é um corpo estranho e impossível e que até nós podemos ter direito a ela?




Não sei porque eu tô tão feliz
Não há motivo algum pra ter tanta felicidade
Não sei o que que foi que eu fiz
Se eu fui perdendo o senso de realidade
Um sentimento indefinido
Foi me tomando ao cair da tarde
Infelizmente era felicidade
Claro que é muito gostoso
Claro que eu não acredito
Felicidade assim sem mais nem menos é muito esquisito

Não sei porque eu tô tão feliz
Preciso refletir um pouco e sair do barato
Não posso continuar assim feliz
Como se fosse um sentimento inato
Sem ter o menor motivo
Sem uma razão de fato
Ser feliz assim é meio chato
E as coisas nem vão muito bem
Perdi o dinheiro que eu tinha guardado
E pra completar depois disso
Eu fui despedido e estou desempregado
Amor que sempre foi meu forte
Não tenho tido muita sorte
Estou sozinho, sem saída, sem dinheiro e sem comida
E feliz da vida!!!

Não sei porque eu tô tão feliz
Vai ver que é pra esconder no fundo uma infelicidade
Pensei que fosse por aí, fiz todas terapias que tem na cidade
A conclusão veio depressa e sem nenhuma novidade
O meu problema era felicidade
Não fiquei desesperado, não, fui até bem razoável
Felicidade quando é no começo ainda é controlável

Não sei o que foi que eu fiz
Pra merecer estar radiante de felicidade
Mais fácil ver o que não fiz
Fiz muito pouca aqui pra minha idade
Não me dediquei a nada
Tudo eu fiz pela metade, porque então tanta felicidade
E dizem que eu só penso em mim, que sou muito centrado
Que eu sou egoísta
Tem gente que põe meus defeitos em ordem alfabética
E faz uma lista
Por isso não se justifica tanto privilégio de felicidade
Independente dos deslizes dentre todos os felizes
Sou o mais feliz

Não sei porque eu tô tão feliz
E já nem sei se é necessário ter um bom motivo
A busca de uma razão me deu dor de cabeça, acabou comigo
Enfim, eu já tentei de tudo, enfim eu quis ser consequente
Mas desisti, vou ser feliz pra sempre
Peço a todos com licença, vamos liberar o pedaço
Felicidade assim desse tamanho
Só com muito espaço!




quarta-feira, 16 de julho de 2014

Conto

Ela já estava habituada, ainda que continuasse a não gostar. Fosse num aniversário, num casamento ou num simples jantar havia sempre alguém que queriam que ela conhecesse porque "tinha a ver com ela" ou porque era "um bom partido" ou "boa pessoa". Espantava-se com a inexactidão das escolhas amigas. Também estava habituada a isso. Ficava com a sensação que as amigas não a conheciam verdadeiramente.
Desculpava-lhes a insistência e não raras vezes sentia-se incomodada por lhes falhar. Não seria aquele. Mais uma vez.
Ele não fugiu à regra. Olhou-o despercebidamente com curiosidade, mas não se sentiu cativada. Não mudou a sua postura em nada, nem mesmo para ela própria cativar. Esqueceu-o durante o jantar.
Foi no bar que ele se aproximou. Os sentidos meios embriagados permitiram o abraço sem autorização. Era um convite à dança a dois. Ela aceitou numa tentativa de relaxar e saborear o momento. Não conseguiu. Enquanto dançava pensava em tudo menos no prazer de estar, de dançar. Não eram aqueles braços que ela queria a envolvê-la. Flashes de outro surgiam enquanto se movia, o pouco prazer que sentia era a imaginar aqueles momentos com outra pessoa. Não era justo. Ele não merecia por muito que não fosse o seu tipo de homem. Não o olhava, seria demasiado íntimo. Assim que teve oportunidade simpaticamente desapegou-se. Ele percebeu e afagou-lhe o cabelo. Ela entristeceu profundamente.
Alguém lhe ofereceu uma bebida, ela aproveitou para repor o sorriso e fazer de conta que estava tudo bem.
Não aguentou muito mais tempo. Pouco depois despedia-se dos amigos alegando cansaço.
Ainda que a noite tivesse sido boa algo podre já a consumia. Confrontava-se mais uma vez consigo, com a teia incapacitante em que se tinha emaranhado e da qual não se conseguia libertar.
A caminho de casa, sozinha, acompanhava-a o volúvel, o engano, o desânimo.
As empatias não se escolhem, os caminhos sim. E desabou.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Felizes os felizes

Acabada de ler "Felizes os felizes" de Yasmina Reza, fica a sensação péssima de desconforto.
Vivências sentimentais de personagens divididas em histórias individuais, algumas cruzando-se entre si e onde o leitor acaba por perceber o lugar de cada uma. Que nem sempre corresponde ao que cada personagem acha.
O lugar.
Muito estranha e desagradável a sensação de cada um de nós achar que ocupa um determinado lugar na vida das pessoas que gosta e na verdade isso poder ser uma falácia. Umas vezes por ignorância, outras por ingenuidade, outras por preferirmos a ilusão à realidade.
Recentemente descobri que uma situação que vivi no passado e que tinha sido verdadeiramente inacreditável a ponto de achar pura magia da vida, tal a sua beleza, afinal foi... uma treta. A minha sorte foi a descoberta ter sido numa época já de ferida cicatrizada e só me deu para valentes gargalhadas e agradecer aos céus o facto de a verdade ter chegado ao meu alcance. A situação será sempre inacreditável, mas perdeu toda a sua beleza e magia.
Quantas vezes embelezamos as situações para nos sentirmos melhor numa vida com tão poucas provas de singularidade?
Quantas vezes insistimos em encontrar sinais sem lógica alguma para justificar vivências pálidas que teimamos em colorir?
Quantas vezes achamos que representamos mais para alguém do que efectivamente representamos?
Quantas vezes temos a oportunidade de descobrir a verdadeira essência dos nossos relacionamentos? De não sermos levados ao engano e de sermos premiados com a verdade?
Há lugares que tanto desejamos e onde não somos desejados,que, por vezes, preferimos o engano doce há verdade crua. E nós conseguimos ver que nos estamos deliberadamente a enganar, mas há qualquer coisa que nos puxa para o "e se?", para uma beleza em que orgulhosamente teimamos em acreditar.
Depois, é como os felizes do livro, resignamo-nos ao que "tem de ser", ao cinzento dos dias, da alma porque acabamos por nos convencer que não somos merecedores, que o pódio até das pequenas vitórias é para outros, que a vida algures se esqueceu de ti. 
Perdem-se as forças, tem-se receio do ridículo e deixamos de batalhar pelo nosso lugar porque achamos que não vale a pena, que ninguém se interessa verdadeiramente pelo que o teu lugar tem para oferecer.
A esperança teima em não morrer, mas perante as evidências... é enfrentar a desilusão..., respirar fundo..., colocar o sorriso diário no quotidiano que nos aguarda e desejar que o vazio não seja muito profundo para rapidamente voltar à tona.

terça-feira, 1 de julho de 2014

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Agridoce

E lentamente a vida muda.
Uma coisa aqui, outra ali e outra acolá para um big finale que se tornará no início de uma continuidade já esperada.
2014 não tem sido mau, mas fácil também não.
Tudo é sentido como um turbilhão, até nos momentos serenos.
Adaptação a uma nova realidade, lamber das feridas, descobertas agridoces.
O que vale é que não estou só e no meio do turbilhão ainda há capacidade para conquistas e ser conquistada. Ainda há capacidade para fortalecer laços. Ainda há ombros fortíssimos e disponíveis.
Ainda há capacidade para a empatia. Ainda há capacidade para ser forte. Para dar força. Para rir e fazer rir. Ainda há capacidade para brincar.
Há dias que as alegrias dos nossos e dos outros tornam-se tão nossas quanto deles, mesmo que isso signifique o virar de página numa rotina, uma distância que terá de ser encurtada pelo virtual.
Há dias saudosos do que houve, do que se viveu. Há dias saudosos do que poderia ser e não é.
Há dias para esconder olheiras, pôr uma maquilhagem, sair e sorrir ao mundo lá fora para que a tristeza do de dentro não vença a batalha.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Verbo

A vida será sempre dos destemidos, dos arrojados, dos atrevidos.
Não só a vida lhes responde mais, como retira rapidamente algum possível interesse de que possam ter sido alvo os que ousam ser discretos.



quinta-feira, 5 de junho de 2014

Emaranhados

Há dias que o emaranhado é de tal ordem, que o desalento ainda é maior, que a alegria parece uma miragem, que a solução não parece existir, que só apetece mesmo é desaparecer.
Como se resolve, mas como é que se resolve?...





terça-feira, 3 de junho de 2014

Mundos próximos

Fisicamente, sou só mais uma pessoa de um lado para o outro. O que as pessoas vêem é outra pessoa a dirigir-se a algo, a vir de algo, parada em algo, a dizer algo.
Há todo um outro mundo interior, invisível ao mundo físico, onde acontece a verdadeira acção.
Num dia de folga, onde é suposto descansar mente e corpo, há uma espécie de convulsão que irrompe pelo mundo interior adentro. Outros mundos interiores apoderaram-se do meu e não lhes consigo ficar indiferente.

Logo de manhã, começou pelo desabafo emocionado da mãe a contar que uma rapariga, mãe solteira, andava a fazer vendas porta a porta.
"Não me trate mal por favor, preciso de vender porque sou mãe solteira a sustentar sozinha a minha filha de dois anos"
"Oh Sandra, eu sei das histórias todas de trafulhice que para aí andam, mas e se este não era o caso?" - pergunta a minha mãe já de lágrimas nos olhos.
"Penso sempre que poderia acontecer a vocês e gostaria que alguém ajudasse os meus filhos numa situação destas."
Uma rapariga que perdeu a mãe aos 9 anos, foi para uma instituição onde conheceu o companheiro e de quem engravidou. Saiu aos 18 anos e pouco depois foi abandonada com uma criança nos braços.
A história é comum e por isso muitas vezes a desconsideramos por isso mesmo. Como se o banal, o recorrente deixasse de ser verdade porque se ouvir falar tanto. Como se pudéssemos desvalorizar a gravidade de histórias destas por serem consideradas banais. Como se devêssemos subir as guardas porque são já vulgares situações destas.
A verdade é que as minhas guardas estão sempre em baixo. É doloroso, mas prefiro assim a tornar-me cada vez menos sensível à dor do outro. Que mundo é este onde temos medo de ajudar? Onde se engana pessoas que estão dispostas a ajudar? Onde pessoas sofrem consequências gravíssimas por que foram almas boas?
No meu mundo não se ajuda toda a gente (feliz ou infelizmente), mas não é um mundo vendado ao sofrimento do outro. Não quero que seja.

**

Continuando a manhã, dirijo-me à loja do cidadão, e encontro um velhinho a pedir. 
Reparo nas suas mãos já deformadas pela idade e doença, porventura.
"Menina, por favor ajude-me, basta uma moedinha, é para comer, é para ajudar a comer."
Dou-lhe uma moeda e aqueles olhos (que ainda conseguem sorrir) sorriem com a esmola.
O senhor agarra a minha mão e dá um beijo nela "obrigada, menina, obrigada."
Tentei afastar-me para não me comover em demasia (porquê...?), mas não consegui virar-lhe as costas de imediato. Sorri-lhe, segui caminho e ainda ouvi "obrigada, menina, obrigada a todos!!". Só ali estava eu...
Quando saí passado 15 minutos, o senhor continuava lá, a pedir. Uma senhora, bem mais nova, ranhosa ao passar por ele "devia ter vergonha, com pensão e anda aqui a pedir, a roubar o que é nosso."
"Vê menina, os outros é que roubam e eu é que sou o ladrão por pedir. Obrigada, menina, obrigada."
Sorri-lhe, muda, e vim embora a pensar na vida triste que aquele homem deveria ter. 
Eu tinha estado ali, na tentativa de esclarecer os meus direitos, na tentativa de uma vida melhor e sabe-se lá onde chegarei e como.
Antes de entrar no carro parei o meu mundo e olhei uma última vez para o senhor. Ali estava ele, em pé, ombros curvados, quase a pedir desculpa por existir, a olhar encarecidamente para quem o evitava e fazia de conta que ele não estava ali.
O meu mundo não é mundo vendado, não pode ser, não posso deixar que seja.

**

Há uma canção de Rui Veloso que adoro: "As Regras da Sensatez".
Com uma letra e melodia belíssimas, mas que me lançam em contraditório. Umas estrofes aceito, outras não. O meu coração é mau aluno... e pouco sensato.





Não consigo...

Cada vez mais longínquo o regresso a um lugar onde fui a maior parte do tempo muito feliz, não consigo evitar uma visita de quando em vez. Para matar saudades e aumentá-las de seguida.
Porque eu tive o privilégio de, no local de trabalho, cimentar amizades, fazer outras, criar rotinas felizes.
Rotinas que uma pessoa, lá está, acaba por desvalorizar um pouco por isso mesmo, por serem coisas diárias, repetitivas. A velha história de que só se percebe o verdadeiro grau de felicidade de algo quando o perdemos.
Eu não perdi totalmente, as amizades mantêm-se, mas havia algo de reconfortante naqueles almoços a quatro vozes femininas em que se falava de tudo desde vida pessoal e profissional, chatices e desgostos até super heróis, livros, cinema e fadas Winx.
Hoje, ao reunir-me com as minhas compinchas da marmita, não consegui evitar o saudosismo das paredes da cozinha, do café da máquina, das portas que rangem ao abrir, dos universitários que parecem miúdos de liceu.
Estão a ver aquelas cenas de filmes com uma data de gente, em que se vê e ouve tudo desfocado e só uma das pessoas se destaca? É técnica baseada no real :)
Assim me senti eu (e peço desculpa às minhas amigas por ter deixado de as ouvir por instantes) quando só a sua simples presença me reclamou para um cantinho lá longe, só para sentir o quentinho do aconchego delas. Como se eu estivesse numa bolha de ar e elas as três noutra...
A memória destes tempos fica. A nossa amizade viverá em lugares diferentes, é esse o conforto.  
As coisas evoluem ou simplesmente mudam, quer queiramos ou não.
Salvem-se os laços...

**
Isto, num dia em que outros só me viram a andar, a conduzir, a comer, a tomar café, a esperar, a dançar...



domingo, 1 de junho de 2014

Action heros

Desde tenra idade que me acho incompatível com crianças.
O relógio biológico foi concordante comigo e nunca foi resmungão. Quando lá de vez em quando resmunga, digo-lhe com espanto "estou-te a estranhar", ele envergonha e aquieta-se novamente.
Claro que gosto muito de crianças. Penso que, por isso mesmo, afirmei desde sempre que não tencionava ser mãe. Acho que elas olham para mim e com a sua perspicácia boa e pura desvendam na hora a fraude que eu seria como educadora. Por razões que evito aprofundar em demasia sempre achei que não daria uma boa mãe. É preciso ter disponibilidade e paciência para estar com uma criança. Sempre achei que tenho estas qualidades em doses pequenas. Muito francamente sempre tive um medo terrível de não conseguir fazer feliz uma criança indefesa, de não lhe dar os alicerces seguros e fortes para uma vida adulta sempre tão complicada.
O relógio biológico (o tramado...), acusando já o cansaço de um corpo em idade avançada para um filho, aquietou-se, mas numa vingança velada e subtil, tornou-me cada vez mais enternecida perante a presença de uma criança. É através delas que vamos mantendo alguma frescura e cor de viver num mundo cada vez mais pintado de cinzento. É através do olhar delas que ainda conseguimos ver e acreditar na utopia de um mundo melhor. É através delas que acho que ainda me salvo como ser humano quando uma pequenita de 2 anos, de olhos sorridentes, vem ter comigo para me dar um abraço e encosta a sua cabecita no meu ombro; quando um pequeno chora porque me vou embora; quando o meu sobrinho de 7 anos me vê e sorri; quando uma criança que me acaba de conhecer me dá confiantemente a sua mão para eu o ajudar a atravessar a rua. É através delas que reacende a ternura adormecida em mim.

sábado, 24 de maio de 2014

Manhãs

Há qualquer coisa de bom nas manhãs.
Aquelas manhãs ainda bem madrugadoras, lavadas pela chuva ou cheias de luz.
Uma luz fresca, pura, arriscarei inocente,... até ingénua.
As manhãs têm um efeito regenerador.
Olha-se em volta e não há quase ninguém. E se outro alguém passar, comunga do que sentes e não te perturba.
Quase como se cada um de nós entendesse que aquele tempo é-nos preciso e precioso para ganhar forças para o dia incógnito.
A tranquilidade sobrepõe-se ao tumulto que possa existir, este sabe que ainda não é hora de emergir. Virá com o passar das  horas, com o barulho da tarde e o peso da noite.
Há qualquer coisa de bom nas manhãs.
Talvez seja a esperança a pedir-nos para acreditar num dia feliz.

terça-feira, 20 de maio de 2014

20/05/2010

Há pormenores que se cravam em nós, mesmo antes de lhes percebermos o sentido.
Assim aconteceu com aquela manhã de Maio. Estava quente..., estranhamente calma... e silenciosa...
Paz...
Não vi ninguém numa casa cheia de gente e saboreei aqueles momentos a sós. Mas algo indefinido pairava no ar.
Era um pressentimento... e a decisão de outrem, pensei mais tarde ao recapitular aquele dia.
Mal cheguei ao trabalho o telemóvel tocou. Assim que ouvi a minha mãe soube no momento o que ela me ía dizer: "Sandra..."
E pela 3ª vez na minha vida uma emoção descontrolada trespassou-me completamente, como se o meu corpo se tivesse separado de mim e reagisse sem a minha ordem.
Das três vezes foi por sentir a perda eminente.
E desde então, o corpo desobedeceu mais vezes, como se uma dor fantasma tivesse ficado a habitar nele sem querer saber do meu consentimento.
Recordo-me da força que tive de arranjar para voltar a uma casa onde não queria entrar; daquela viagem de carro, só eu, por minha conta e risco, uma solidão absoluta, de o conduzir em choro compulsivo; das mãos... de como tremiam as minhas mãos...; de olhar para quem passava por mim na sua própria vida - naquele momento com certeza mais ordeira que a minha - e gritar-lhes um pedido de socorro mudo e aflitivo "Ajudem-me, acabei de perder o meu pai!"
O encontro... o desviar do olhar de um corpo vivo até há tão pouco tempo... e querer desesperadamente recuar até duas horas antes, rotina sem chama, agora tão desejada.
E se eu o tivesse chamado...? E se eu tivesse ido à sua procura...?
O horror de pensar que em simultâneo às minhas rotinas matinais, no mesmo sítio, à mesma hora, outras se quebravam. A culpa...
Daquele dia fica o curto-circuito tétrico dos pensamentos: a solidão mata em vida; a celeridade das más notícias; a maledicência e a curiosidade mórbida tal qual abutres a rondarem as presas sangradas; o arranjar força na minha dor para confortar a dos meus; a dor vivida a sós; o ombro precioso dos amigos e a sua generosidade sem fim; a falta de palavras; a vontade de desaparecer; o vazio do tempo de espera; o ter de ter lucidez para tratar das questões práticas e frias de um óbito; o recordar das tentativas de despedida infrutíferas do pai, só naquele dia adivinhadas...
Ninguém santifica com a sua morte, mas os laços de sangue dos vivos deixados só lhes permite o choque do sofrimento.

A paz que eu senti naquela manhã não era a minha. Era a paz de uma escolha... e da coragem.









segunda-feira, 12 de maio de 2014

Maiorias

A propósito de o advogado Atticus Finch estar a defender um homem negro e ser acusado pela sociedade racista dos anos 30 um "amante de negros"...

- Atticus, deve estar errado...
- Então porquê?
- Bem, a maioria das pessoas parece pensar que tem razão e que o pai não...
- Têm todo o direito de pensar assim, e têm todo o direito a que se respeitem as suas opiniões - concordou Atticus -, mas antes de eu conseguir viver com outras pessoas tenho de viver comigo. A única coisa que não obedece a uma regra maioritária é a consciência de cada pessoa.
...
- Querida, nunca é insultuoso sermos chamados aquilo que outras pessoas consideram uma asneira. Isso só demonstra o quanto essas pessoas são pobres, não te magoa.


Não Matem a Cotovia, de Haper Lee

***

Movo-me em vários círculos e sei que a minha presença em alguns é só tolerada, suportada.
Não é fácil ser-se.
Ainda que com o seu grau de dificuldade inerente, é sempre mais fácil conviver com quem gosta de nós.
Não deixa de ser doloroso sentir que não somos apreciados. A mim custa-me de sobremaneira porque tenho o terrível defeito de querer agradar a toda a gente. Não gosto de saber quem não gosta de mim.
Hoje, contudo, tive uma surpresa agradável. Encontrei uma pessoa desses círculos e acenou-me com um sorriso. Não vai tudo mal por este reino, afinal...
Consigo ser implacável comigo mesma.
Não é fácil ser-se.

Já passei por situações de maledicência aguda e pessoas que me queriam bem achavam que eu devia retorquir. Não envolvendo terceiros queridos e sendo essa maledicência só dirigida a mim não tenho por hábito reagir, a não ser que sinta a minha dignidade profundamente ferida. A não ser que me faltem ao respeito descaradamente.
Os maledicentes não querem saber da verdade, só lhes interessa a intriga. São autênticos abutres. Desejarmos um esclarecimento da intriga só os rejubila. A verdade vem sempre à tona.
Pode vir é fora de horas... para os outros. Para nós esteve sempre presente.
E no final, é só mesmo isso que interessa. O acreditarmos em nós, nas nossas opiniões, nas nossas escolhas, mesmo que isso signifique "a diferença" para outras pessoas.
E se por vezes me custa o desagrado de outras pessoas - e só porque, de uma forma ou de outra, elas contêm significado para mim - (os que me são indiferentes nada me dizem), é o desagrado por mim mesma que me custa mais.
Não é fácil ser-se.
A minha consciência é maioritária e é-me bastante ditadora.
É com ela que tenho de aprender a saber viver.

***



sábado, 10 de maio de 2014

Inside job

"Mas não será a ideia de felicidade uma idiotice? Teremos mesmo necessidade dessa perspectiva irrealista? Limito-me a achar que viver instantes felizes já é uma sorte e uma glória. 
 o riso, um recurso maravilhoso."

Yasmina Reza
Jornal Expresso, 10/05/14

A propósito desta afirmação de Yasmina Reza, acho que é consensual que ninguém acredita na felicidade plena. Aliás, nem entendo o conceito de plenitude aplicado à felicidade para esta ser considerada como tal.
Acho lógico a felicidade ser pequenos instantes ou períodos mais alongados de alegria e satisfação. Com sorte podem ser muitos, espaçados, ou com ainda mais sorte, muitos e consecutivos. Em ambos os casos, plenamente vividos.
A grande questão é saber como lá chegar.
Lembro-me de em pequena achar que à medida que as pessoas crescessem e envelhecessem, as suas vidas tornar-se-íam sempre melhores. Hoje já não acredito,... mas desejo-o.
E dói cada vez que vejo pessoas que têm acompanhado o meu crescimento a envelhecer em condições cada vez mais tristes. Por doença ou por desgraça.
Há toda uma utopia que se esvai. E fico a pensar na vida, na minha vida. O que ando a fazer dela. O que ela me reserva.
Algumas vezes sabemos onde queremos chegar, mas não sabemos como o atingir.
Algumas vezes sabemos onde queremos chegar e fazê-mo-lo mal.
Algumas vezes sabemos onde queremos chegar e fazê-mo-lo mal a pensar que o fazemos bem.
Algumas vezes sabemos onde queremos chegar e desistimos antes de tentar.
Algumas vezes sabemos onde queremos chegar, mas o medo deixa-nos pelo caminho.
Algumas vezes sabemos onde queremos chegar e boicota-mo-nos.
Há pouco falei de sorte, mas não é só sorte, porque isso faria da felicidade algo somente aleatório e não o é.
Também é discernimento nosso, crença em nós e nos outros.
É esperança que os outros não nos vejam como meras distracções, que nos reconheçam algum valor e nos respeitem.
É desejar que quem venha, venha por bem e não nos sugue o que lhe falta para benefício próprio.
É conseguirmos avaliar o que não nos faz bem e afastar-mo-nos sem delongas.
É conseguirmos reconhecer o bom que nos aparece e não o toldarmos com as nossas dúvidas, as nossas desconfianças, as nossas mágoas, os nossos medos.
E é muita sorte quando alguém aposta em nós mesmo no meio de todos os seus quês e dos nossos quês... e o deixamos entrar, no meio de todos os nossos quês e dos seus quês.
A felicidade esgueira-se mais do que desejamos e cada vez mais acredito que é por pura incompetência nossa.

"Happiness is an inside job"



quinta-feira, 8 de maio de 2014

Colo

Há dias em que ser adulto não nos adianta de nada.
Há dias em que as nossas ferramentas de adulto não resolvem nada.
Há dias em que sentimos o mundo como algo estranho e feroz, com aquele espanto e receio de pequenos.
"Isto é possível!?"
E queremos colo. Queremos aninhar-nos em alguém que nos é querido e pedir-lhe "faz desaparecer".
Já sabemos que não desaparece, mas atenua. Sentimo-nos menos perdidos. É uma espécie de vaga quente que nos percorre da cabeça aos pés ao saber que temos alguém que cuida de nós, que nos quer bem. Não cura, mas é paliativo.
Há dias que apetece apagar o mundo.
Há dias que nos apetece apagar a nós mesmos por nos boicotarmos constantemente, por não termos um manual de instruções claro e por não entendermos o dos outros.
Control - alt - delete (simples, assim) ao receio, à desconfiança, ao egoísmo, à mágoa.
Não é assim tão complicado vermos o outro como um ser que sente, que gosta, que sofre.
Por estas linhas mestras estaremos a cuidar no imediato o outro, mesmo o desconhecido, e quase sem esforço.
Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.
Não é difícil,... não pode ser difícil.






segunda-feira, 21 de abril de 2014

Energias, expectativas, desapegos e afins...

Há assuntos que me têm vindo a irritar solenemente: expectativas e energias.
Não tão irritante, contudo, como aquela execrável máxima "cada um tem o que merece". O TANAS!!!
Ou ainda aquela linda história do desapego: gosta, mas não te apegues (!!!)
E são tantas, tantas, que (às tantas) uma pessoa pergunta-se "mas que raio anda uma pessoa a fazer nesta vida?" Quando tudo ou tão pouco parece depender de nós? Quando supostamente o universo nos castiga por não emanarmos as energias devidas para uma vida feliz? Ou então nos diz "ah estás confortavelmente instalada nessa vidinha, ora toma aqui uma sacudidela!!" Mas se então uma pessoa até estava feliz, emanava, portanto, boas energias, porque muda a vida?
Ahh, é a questão das provas a superar, para dar o suposto devido valor à vida.
Ahhh bolas!!!
Sem expectativas o que é uma vida? Sem esperança em coisas melhores, não sentir muito para não sofrer, não acreditar no bom e belo. De que adianta acordar se não for para sonhar?
Agir sem expectativas é um sentir morno. É um caldo para amenizar a dor.
E no seguimento vêm as energias... Tem de se pensar positivo para que a vida corra bem ou melhor.
Sim, mas e quando se pensa positivo e mesmo assim a vida não corre bem? Foi devido aquela pequena percentagem em que te sentiste mais triste e, ZÁS!!!, o universo castiga-te por o enganares naqueles momentos? É por não entenderes as linhas com que ele se cose? É por não te expressares correctamente? Ou, a melhor de todas, porque tens uma lição a aprender? E, ainda melhor... porque como não entendeste à primeira, a coisa repete-se até aprenderes de vez, tipo reguada de professor para aluno burro?
E agora a lição de moral do desapego... Para mim a mais difícil de todas. É que eu simplesmente não consigo!! Se gosto, apego-me. Até pela criatura mais parva. Como se faz? Como se faz? Um dos desejos que pediria ao mago da lâmpada mágica era que me permitisse ser como um interruptor. "ON/OFF" nas situações adequadas, sem mais delongas.
É que uma pessoa pensa que está a fazer as coisas direitas, a dar as oportunidades devidas à vida que lhe calhou e parece que não acerta numa...
Amanhã lá terei de pensar numa aventura escrita positiva para contrabalançar esta negativa. Se não vem reguada do universo. Mais uma...

quinta-feira, 17 de abril de 2014

De pudinzinho a cute dancer

Nem tudo o que pensamos, dizemos. Nem tudo o que dizemos, pensamos.
Dizem que o melhor é falar sempre. Nem sempre concordo.
Dizem que o silêncio é de ouro. Nem sempre concordo.
Custa-me mais o silêncio quando estou acompanhada do que quando estou sozinha.
Há pessoas a quem nos custa dar um sorriso e uma palavra que seja.
Há pessoas por quem nutrimos um carinho tão espontâneo, que a meiguice no gesto e na palavra nos sai instantaneamente.
Tudo isto veio à mente porque numa mensagem a uma amiga, não a tratei pelo nome, mas sim por uma alcunha carinhosa.
E é nestas alcunhas que muitas vezes se sente o quanto somos acarinhados. Porque percebemos o seu sentido, o seu sentimento, a sua provocação brincalhona, o afecto nelas contido.
Que me lembre assim de repente, raramente me tratam pelo nome. E ele é bem fácil de se dizer de tão curto que é. A verdade é que muitas vezes o prolongam para Sandrinha. E este diminutivo para mim é sempre um aumentativo. Uma amiga chama-me sempre Sandra Maria e leva logo um sorriso dobrado. Ainda que os dois nome juntos, enfim...
Depois chamam-me de tudo: faloca, fofinha, macaquita, pudinzinho, estupor, ruiva, jeitosa, doce, flor, miguita, miúda, sisszinha, Ariel, Joana, russa, cute dancer.
E gosto :)


domingo, 13 de abril de 2014

Verdade(s)

Nesta coisa de olhar para trás vemos os nossos esqueletos, mas igualmente as nossas opções e consequentes escolhas. Também vemos as opções e escolhas de outros e como isso influenciou a nossa vida.
Aquela história de que as coisas vêm no momento certo serve de algum conforto, mas só mais tarde. Quando olhamos para trás, já com algum distanciamento do sentir...
Porque a verdade é que nós, em tempo presente, achamos sempre que tudo o que nos acontece é especial, aliado a um desejo de acreditar que a vida não se esquece de nós e que nos mostra que também pode haver Belo e Transcendente no nosso cantinho.
Acredito que algo (bom ou mau) nos tolda a razão e a emoção aproveita para se espraiar impiedosamente. Mas será o tempo futuro a dar-lhe um significado... importante... ou não.
A verdade é que a verdade das coisas nem sempre se revela no momento ou alguma vez se revelará.
Fica somente a nossa ideia de verdade.
E então, quando a vida perde a paciência com a nossa cegueira, num golpe de mestre, é generosa connosco. E também crua. Porque nos revela que o especial afinal não o era (assim tanto).
Há desalento, que o há - mais um -, sentimo-nos pequenos e insignificantes nesta roda cada vez mais acelerada do viver, mas é nestes momentos cruciais que vemos o passo a seguir, em vez de pararmos no marasmo da ilusão, do irreal.
O lamber das feridas pode (ou deve) ser feito em andamento.
É que assim, acredito, que mais facilmente estas sarem.
E agradecer... agradecer a nós, a Deus, aos céus, à natureza, o que acreditarem, por nos dar garras e ganas de viver. Num mundo cada vez mais impiedoso, é certo, mas acreditando sempre, firmemente, que quem entra na nossa vida entra por bem, de uma maneira ou de outra.




segunda-feira, 24 de março de 2014

Sem direito a assento na festa

Há o nosso espaço. O nosso lugar.
Há os espaços dos outros. Os lugares deles.
Há os espaços, os lugares de outros que desejamos, aos quais nos apegamos, sobre os quais expectamos.
É de uma felicidade incompleta, aquele espaço vivo que não se interliga com os outros espaços. Sós, somos alguém, mas com outros somos sempre muito mais.
Há espaços em que desejamos ficar. Porque nos permitem dar tudo o que temos. Porque nos permitem receber tudo o que nos têm para dar. E é esta troca a seiva de uma vida.
Tenho coração nos olhos, nos ouvidos, nos dedos, na boca, nos poros, no sangue. Infiltra-se na minha razão... Não o quero só no meu espaço. As paredes não aguentam o tumulto.
Dar, dar, dar... E é um dar cansado, magoado, receoso, ainda que sempre esperançado.
Há espaços que não nos deixam entrar e o vazio contamina.
Um vazio onde o desânimo e a descrença se instalam.
É quando a boca sabe a fado... e apetece fechar o casulo, indefinidamente...


 Já estou louca de estar só

Acompanhada do nada

Já estou cheia de ser rua

Tão corrida tão pisada

Já estou prenha de amizades

Tão barriga de saudades

Ai eu ainda um dia irei rasgar a solidão

E nela entrelaçar

O amor de uma canção

Chegar ao cume, ao cimo, ao alto

Mais longe, mais além

Mas a saber que sou mulher

Na cidade sou loucura

Sou begónia, sou ciúme

E eu que sonhava ser lume

Caminho, atalho, lonjura

Não tenho assento na festa

Sou a migalha que resta

Ai eu ainda um dia irei rasgar a solidão

E nela entrelaçar


O amor de uma canção

Chegar ao cume, ao cimo, ao alto


 Mais longe, mais além
Mas a saber que sou Mulher

(ensaios & espectáculo "Mulheres")
(Legendas retiradas da canção "Fala da Mulher Sozinha")