domingo, 5 de junho de 2016

Espelhos


O senhor piscou-lhe o olho, acenou com a cabeça e sorriu mostrando que tinha reparado na sua presença e seguiu caminho.

Um sorriso enorme abriu-se no rosto do rapaz. Por vergonha ou excesso de contentamento (ou ambos), o seu corpo mexeu-se irrequieto, as mãos pareciam não ter sítio onde pousar e olhou para as pessoas à sua volta -  o enorme sorriso mantendo-se - como que a dizer “Viram? Ele sorriu e cumprimentou-me? Viram? Ele reparou em mim…”

 

Há pessoas que importam mais que outras e é a atenção delas que contribui para a nossa felicidade (também). Por muita atenção e interesse que tenhamos de muita gente, é a daquelas que nos importa que conta acima de tudo.

Por muito que necessitemos do nosso espaço, acredito na necessidade imperiosa de preenchermos outros espaços. Um não exclui o outro, óbvio. E acho que a nossa felicidade maior passa essencialmente por aí, pelos espaços em que nos deixam entrar e conviver.

Depois existem os espaços a que desejamos pertencer. Há pessoas que importam mais que outras. Não tem de ser recíproco, mas é essa reciprocidade que ditará a existência e sobrevivência do relacionamento.

A atenção que nos é dedicada e a que dedicamos… Quando a balança se desequilibra pouco se salva.

Almas maiores darão sem esperar em troca. As outras sofrem… porque tendo tido, não entendem agora a desatenção, o desinteresse, o descuido. Ou se entendem, custa-lhes aceitar o óbvio.

O óbvio de sermos as mesmas pessoas que cativaram, importaram em determinada altura mas que agora já não somos suficientes,  pouco significarmos e sabermos tão bem o que isso quer dizer. Porque também nós significamos muito para outros que pouco ou nada nos dizem e lidamos com a situação – quantas vezes – com desapego, indiferença, pragmatismo frio.

Porque é nosso direito darmo-nos a quem nós bem entendermos, preenchermos o nosso espaço com quem bem quisermos e desejarmos e no caminho desligarmo-nos de quem pouco ou nada nos diz.

Mas este direito é cru, egocêntrico e quando nos bate à porta entendêmo-lo, mas detestamo-lo. Porque é um direito-espelho. Porque sentimos na pele o descuido e desinteresse que nós próprios infligimos a outros, porque sabemos o quanto isso dói e quanto faz sofrer.

E no meio disto tudo, resta a delicadeza e sensibilidade no trato, não abusarmos da boa vontade e generosidade de outros e sermos compassivos.

E seguir em frente aceitando a descoberta de novos espaços...