terça-feira, 3 de novembro de 2015

O (não) exemplo

Das coisas a que sou particularmente sensível é a formação/educação de uma pessoa pelo "não exemplo".
Nem todos têm a sorte de ter os melhores exemplos familiares, de crescerem em meios sociais que promovam o bem-estar/ser de uma pessoa, mas isso não tem de ser uma chaga que acompanhe uma vida inteira. Essa chaga até poderá existir, mas será uma alavanca para uma luta superior e não para nos reduzir a meros sobreviventes da vida.
Não, não falo de grandes feitos.
Falo daquele/a que não tendo um ambiente familiar caloroso, consegue criá-lo com a sua futura família.
Não, não falo do menino pobre que virou milionário.
Falo daquele/a que vivendo na pobreza, conseguiu fugir ao preconceito tantas vezes impostos por outros e ter uma vida economicamente estável.
Falo daquele/a que não tendo possibilidade de aprender a ler e a escrever, já adulto resolve vencer obstáculos que achava intransponíveis. Ou mais, que mesmo não sabendo ler e escrever vai vivendo.
Falo das mulheres que já bem adultas resolvem enfrentar família, mundo porque não suportam mais as sevícias em que vivem e decidem lutar pela sua independência.
Não, não falo daquele que dedica a sua vida aos outros.
Falo daquele/a que estando bem não é cego às dificuldades dos outros e que o seu pouco é sempre muito, que não se coíbe em partilhar.
Falo daquele/a que não tendo sido bafejado com mimos, carinho e amor na sua infância e juventude consegue dá-los, mesmo que a medo; que não nega o abraço e que abraça.
Falo daquele/a que tendo recebido tão pouco afecto, é perdulário no mesmo. Mesmo que isso não lhe traga o que deseja.
Falo daquele/a, vítima de violência doméstica, que consegue ter um sorriso para tantos e ainda acreditar numa vida melhor.
Falo da vítima sexual, que com a sua auto-estima de rastos, consegue refazê-la, amar, ter e dar prazer.
Falo daquele/a que contra tanto preconceito social rema contra a maré porque quer simplesmente ser feliz à sua maneira.
Falo daquele/a que nunca foi amado e que consegue amar.
Falo daquele/a que foi enganado e que continua a acreditar porque não se quer render ao cinismo.
Falo daquele/a vítima de injustiça que tem de refazer o seu ser e a sua vida.
Falo daquele/a que sendo constantemente maltratado não vê a violência como resposta ou solução.
Falo daquele/a que nunca teve um Natal verdadeiramente feliz, mas que continua a acreditar nele como se menino fosse.
Falo daquele/a invisível ao mundo, mas que contribui para um mundo melhor.




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